Um histórico de perda de água nos planetas de TRAPPIST-1

Artigo: Temporal evolution of the high-energy irradiation and water-content of TRAPPIST-1 exoplanets

Autores: V. Bourrier, J. de Wit, E. Bolmont, et al.

Instituição do primeiro autor: Observatoire de l’Université de Genève, Suíça

Status: Aceito para publicação no Astronomical Journal, acesso aberto

Artist’s impression of the TRAPPIST-1 planetary system
Impressão artística do sistema planetário TRAPPIST-1. Crédito: ESO/N. Bartmann/spaceengine.org

No início de 2017, o público rapidamente começou a dar atenção a TRAPPIST-1, uma estrela do tipo anã M bem comum na constelação de Aquário. Isso foi devido à descoberta de que ela hospeda sete exoplanetas, dos quais a maioria deles estão dentro da zona de habitabilidade. Ao olhar mais cuidadosamente no espectro ultravioleta (UV) dessa estrela durante os trânsitos de seus planetas, V. Bourrier e colaboradores descobriram uma variabilidade que pode ser traçada à história de escape de água dos planetas de TRAPPIST-1.

Venha para um experimento, fique pelo quebra-cabeças

Para avaliar o potencial de habitabilidade de um mundo, temos de levar em conta uma série de fatores, como a distância da estrela hospedeira e a presença e composição de uma atmosfera. É possível que planetas que orbitam estrelas do tipo anã M (ou anã vermelha) tenham suas atmosferas erodidas por ventos estelares ou que elas evaporem devido à forte radiação ultravioleta da estrela, e isso pode ser crucial para a habitabilidade.

O escape de atmosferas de exoplanetas já foi observado em gigantes gasosos que orbitam próximos de suas estrelas hospedeiras através da linha Lyman α de emissão de hidrogênio no comprimento de onda 1215.67 Å (na região do UV). Quando o exoplaneta transita na frente da estrela, é possível ver que a absorção de fluxo dessa linha se estende além do trânsito, indicando que há uma nuvem de hidrogênio seguindo o planeta, mais ou menos como a cauda de um cometa. No artigo de hoje, os autores observam o trânsito do planeta TRAPPIST-1c com o Telescópio Espacial Hubble (HST) para procurar sinais de uma atmosfera estendida de hidrogênio utilizando esta técnica.

As observações consistiram de quatro visitas: as Visitas 1 a 3 foram fora de trânsitos, e a Visita 4, feita em cinco órbitas do HST, conteve um trânsito de TRAPPIST-1c. Na Figura 1 abaixo, correspondente à Visita 4, nota-se que o fluxo no lado vermelho (velocidades positivas) é sistematicamente mais alto que o fluxo de referência (espectro cinza, uma combinação das Visitas 1, 2 e 3), enquanto que o lado azul abaixo de -160 km/s também é mais alto que o espectro de referência. Além disso, essa absorção é variável, o que sugere que a forma da linha evoluiu entre as Visitas 1 e 4.

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Figura 1. Emissão da linha Lyman ɑ na Visita 4, contendo o trânsito de TRAPPIST-1c. A variação nesta linha indica um perfil em evolução, que pode ser devido a uma nuvem de hidrogênio neutro em torno de todo o sistema TRAPPIST-1. A região hachurada contém emissão contaminante da Terra e é ignorada.

Planetas envoltos pelos restos de um passado distante

Os autores não encontram evidências de uma atmosfera externa estendida em volta de TRAPPIST-1c. Por outro lado, uma explicação para a variabilidade na linha Lyman α é a presença de uma nuvem de hidrogênio neutro estendida por todo o sistema, possivelmente originada da atmosfera escapando dos planetas.

Como os planetas de TRAPPIST-1 têm órbitas compactas, eles sofrem significativa irradiação ultravioleta da estrela; essa radiação causa a quebra de moléculas de água e os produtos desse processo são hidrogênio e oxigênio. Portanto a presença de uma grande nuvem de hidrogênio no sistema TRAPPIST-1 é um indício de uma história de perda de água nos planetas. De fato, os autores apontam que os planetas mais exteriores (d até h), por estarem na zona de habitabilidade, já passaram pelas fases de perda de água mais intensa, enquanto que os planetas b e c ainda se encontram em fase de efeito estufa desenfreado, dependendo se eles se formaram com água o suficiente para atingir tal estágio.

Estimar a quantidade de água que escapou dos planetas é complicado pelas incertezas nas suas massas, idade do sistema e a quantidade de água presente em sua formação. Levando em conta a eficiência da quebra de água e a reposição de água por atividade tectônica, Bourrier e colaboradores estimam que os planetas b até g tenham perdido uma quantidade de água equivalente a mais de 20 oceanos terrestres por escape hidrodinâmico (veja Figura 2). No entanto, eles reiteram que este é um limite superior devido às incertezas acima citadas e nas limitações da estimativa.

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Figura 2. Limites superiores da quantidade perdida cumulativa de água (medida em Oceanos Terrestres) para cada planeta em TRAPPIST-1 durante o tempo de vida do sistema. Os paineis esquerdo e direito representam duas hipóteses diferentes para a luminosidade de alta energia da estrela hospedeira.

Naturalmente, um entendimento mais completo sobre a habitabilidade do sistema TRAPPIST-1 vai depender de esforços observacionais para melhorar as medidas de massas do sistema, continuar monitorando o espectro da estrela em altas energias e obter espectros em infra-vermelho para procurar água na baixa atmosfera dos planetas. Além disso, mais estudos teóricos são necessários para avaliar o impacto de processos geofísicos e o papel de campos magnéticos no escape de atmosferas.


Nota do autor: Em setembro de 2017 eu vou começar a colaborar com dois ou mais autores do artigo desta semana, mas eu não estou de forma alguma envolvido com esta publicação em particular.

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