O primeiro pulsar

Título: Observation of a Rapidly Pulsating Radio Source

Autores: Hewish, S. J. Bell, J. Pilkington, P. Scott, and R. Collins

Instituição do primeiro autor Mullard Radio Astronomy Observatory, Universidade de Cambridge, Reino Unido

Status: publicado na Nature [acesso aberto via ResearchGate]

Hoje o astroponto resume um artigo clássico que destaca um acontecimento muito importante em radioastronomia. Esse acontecimento resultou em dois astrônomos recebendo o prêmio Nobel, mas de forma merecidamente polêmica. A descoberta envolveu principalmente três astrônomos, Antony Hewish, Jocelyn Bell e Martin Ryle. Hewish e Ryle foram condecorados com o prêmio Nobel de Física em 1974 pela descoberta do primeiro pulsar e desenvolvimento de uma técnica de interferometria que descrevemos abaixo.

Os “primórdios” da interferometria em rádio

Figura 1: um dos mais famosos interferômetros que utiliza a técnica de interferometria por síntese de abertura, o Karl Jansky Very Large Array (VLA). A configuração de cada antena em relação às demais permite amostragens em diferentes escalas de comprimento de onda em rádio, resultando em imagens impressionantes.

Essa descoberta não é tecnicamente o começo da interferometria em rádio, mas é um importante marco. O astrônomo Martin Ryle estava trabalhando em uma técnica importante utilizada ainda hoje em rádio chamada de síntese de abertura. Por que essa técnica é tão importante? Ela permite combinar as emissões em rádio capturadas por dois ou mais telescópios, de modo que eles efetivamente funcionam como um grande telescópio (veja a Fig. 1). Isso implica que a resolução angular, normalmente limitada pelo tamanho do telescópio, agora é limitada pela distância entre dois, ou mais, telescópios. Portanto se pode atingir escalas angulares excepcionalmente pequenas, que não seriam distinguíveis com um telescópio com uma única antena. Isso é bastante útil quando se tenta medir e detectar fontes em rádio que têm características importantes em escalas pequenas. Um exemplo particular e interessante dessa técnica na astronomia moderna é dado pelo Event Horizon Telescope (EHT), que utiliza uma rede de radiotelescópios por todo o mundo para medir o horizonte de eventos do buraco negro massivo no centro da nossa galáxia (Sagittarius A*).

Detectando um pulsar por acidente

Figura 2: dados do Interplanetary Scintillation Array, interferômetro em rádio no Mullard Radio Astronomy Observatory em 1967. O aumento periódico em fluxo ocorre com um período da ordem de segundos e mostra a primeira medida de um pulsar. [Figura 1 no artigo.]
O radiotelescópio Interplanetary Scintillation Array (IPS), comissionado em 1967 no Mullard Radio Astronomy Observatory, foi um dos primeiros arranjos utilizando a técnica de síntese de abertura e foi inicialmente colocado em uso para observar e auxiliar no estudo da cintilação interplanetária, o análogo em rádio do efeito que podemos observar na luz visível das estrelas, que parecem piscar como resultado de flutuações na densidade do meio entre a estrela e nós. Esse efeito faz com que fontes de rádio, como galáxias ativas, mostrem variações em intensidade da ordem de segundos. Mas Jocelyn Bell, analisando dados obtidos ao longo de muitas noites, deu-se conta de que o que ela estava observando não poderia estar relacionado com condições ionosféricas, interferência terrestre, ou qualquer coisa no Sistema Solar. Ela notou pequenos aumentos em fluxos extremamente periódicos, que só ocorriam em posições específicas do céu. Eles tipicamente duravam 0,3 segundos e tinham um período de 1,33 segundos. Os dados apresentados no artigo podem ser vistos na Fig. 2, que mostra os sutis aumentos em fluxo que Bell notou. O que lhes permitiu determinar que esses sinais não eram gerados no Sistema Solar é que eles não apresentavam paralaxe mensurável, implicando que deveriam estar distantes. Utilizando medidas da dispersão que a onda de rádio sofreu até ser detectada, os autores puderam estimar que a distância era maior que 1000 UA. Como pulsares ainda não tinham sido detectados, e não existia razão para acreditar que eles existiam, a fonte dessas emissões periódicas em rádio foi inicialmente um mistério. As primeiras sugestões eram de que se tratava de uma estrela de nêutrons ou de uma anã branca, pois estimativas do raio do objeto baseado na energia que seria emitida isotropicamente durante cada pulso sugeriam valores da ordem de 5000 km.

Desde então aprendemos que pulsares são de fato uma forma de estrela de nêutrons (ou anã branca, como descoberto recentemente!). O que lhes torna particularmente interessantes são altos campos magnéticos que produzem um feixe de emissão em rádio nos polos magnéticos. Combinando esse efeito com a alta rotação, resulta que detectamos esses feixes com uma certa periodicidade, exatamente como o tipo de sinal que Bell observou em 1967.

A controvérsia do Nobel

Quando os primeiros sinais de pulsares foram detectados, havia receio de que eles na verdade resultavam de problemas no equipamento ou de interferência. Contudo, Jocelyn Bell defendeu a ideia de que essas emissões periódicas eram de fato uma fonte extrassolar que merecia estudo, desafiando seu orientador Antony Hewish. Infelizmente, embora Bell tenha sido quem originalmente analisou e descobriu os sinais de um pulsar nos dados, ela foi ignorada no prêmio Nobel de 1974. Sua exclusão é vista como uma grande injustiça dada sua contribuição à descoberta.


Original em inglês: The First Pulsar, por Joshua Kerrigan.

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