Precisamos expandir o modelo cosmológico padrão? Novas observações de cefeidas dizem que sim

Título: Large Magellanic Cloud Cepheid Standards Provide a 1% Foundation for the Determination of the Hubble Constant and Stronger Evidence for Physics beyond ΛCDM

Autores: Adam G. Riess, Stefano Casertano, Wenlong Yuan, Lucas M. Macri, and Dan Scolnic

Instituição do primeiro autor: Space Telescope Science Institute, Baltimore, USA e John Hopkins University, Baltimore, USA

Status: Publicado no Astrophysics Journal [accesso livre]

The “Hubble Trouble”

A Constante de Hubble H0 descreve a taxa a qual o Universo se expande atualmente. Ela consiste em um parametro fundamental do modelo padrão de Cosmologia, o modelo ΛCDM, que é consistente com uma gama de observações. Contudo, nos anos recentes tem havido uma controversa ao redor de H0, chamado “Problema de Hubble”, pela mídia popular, e “tensão do H0” pelos cientistas. Ela trata-se da discrepância entre medidas da Constante de Hubble pelo satélite Planck (67.4 ± 0.5 km/s/Mpc ) e do Universo local (72.04 ± 2.67 km/s/Mpc). Até o momento, esta discrepancia era menos de 3σ e poderia ainda ser explicada por uma flutuação estatística. No artigo de hoje, contudo, Adam riess e seus co-autores reduziram as barras de erro de suas medidas de H0 no universo local e encontraram que a discrepância com a medida do Planck aumenta para o que eles chamam de “além de um nível plausível de acaso”. Isto poderia implicar que o modelo padrão está errado e precisa ser estendido.

Como medir a Constante de Hubble?

Para entender como H0  foi medido mais precisamente no artigo de hoje, vamos revisar como ele foi medido no Universo local em primeiro lugar. Para tal, “velas padrões” são necessárias, que são fontes de luminosidade conhecida. Desta luminosidade, a distância pode ser inferida pelo quão brilhante elas parecem – se elas estão menos luminosas, estão portanto mais distantes. De posse da distancia D, a Constante de Hubble pode ser calculada como H0=c⋅z/D, onde c representa a velocidade da luz, e z o redshift da fonte, ou seja, o quanto que o espectro da fonte luminosa está desviado devido a expansão do Universo.

Um tipo popular de velas padrões são supernovas do tipo Ia (SN). Estas supernovas todas tem a mesma luminosidade intrínseca, então se elas estão a uma mesma distância, devem aparecer igualmente brilhante para nós em seu brilho máximo. Então, de posse deste brilho máximo aparente da SN, podemos estimar a distância até ela. Podemos inferir este brilho máximo aparente da curva de luz da SN, que consiste na variação temporal de seu brilho. Contudo, estas curvas de luz e portanto a relação de distancia precisam ser calibradas com algumas SN com distâncias conhecidas. E é aí que as Cefeidas entram.

Cefeidas são estrelas variáveis com uma relação especial entre os seus períodos de rotação e sua luminosidade máxima, chamada de relação período-luminosidade. Astrônomos mediram esta relaçÃo muito bem com Cefeidas na Grande Nuvem de Magalhães (GNM), e utilizaram-na para calibrar as distâncias para Cefeidas nas galáxias que hospedam os calibradores de SN. Com estes calibradores, as distâncias até outras SN são medidas e, assim, H0 pode ser calculado.

Ainda assim, existe uma fonte de incerteza na observação de Cefeidas: enquanto Cefeidas próximas de calibradores SN são observadas pelo Telescópio Espacial Hubble (Hubble Space Telescope, HST), as Cefeidas na GNM são usualmente observadas com telescópios terrestres, que são mais baratos do que observações do espaço. As observações terrestres usam frequências observacionais levemente diferentes, as quais são afetadas pela atmosfera terrestre. Portanto, estas observações não são diretamente comparáveis com as medidas do HST, o que introduz um erro adicional de 1.4 –1.8%

Novas observações – Problema antigo

Para encontrar H0 com precisão mais alta, precisamos contornar este problema. Então, os autores do artigo de hoje utilizam novas observações de 70 cefeidas realizadas diretamente com o HST. eles mediram o brilho das Cefeidas em diferentes comprimentos de onda, junto com os seus períodos, a fim de encontrar relações período-luminosidade mais baratas. Figura 1 mostra as medidas deles, junto com as relações período-luminosidade que os cientistas encontraram para diferentes comprimentos de onda.

Period-Luminosity Relations

Figura 1: medidas das relações período-luminosidade para as Cefeidas em diferentes comprimentos de onda. O eixo x mostra o logaritmo do período das Cefeidas, e o eixo y mostra o brilho aparente em magnitudes, com os valores mais baixos correspondendo então a estrelas mais brilhantes. Cada cor corresponde a diferentes comprimentos de onda observados. Os pontos são medidas de Cefeidas individuais, enquanto as linhas fornecem o melhor ajuste para as relações período-luminosidade. Figura 3 no artigo original.


Com estas novas relações, os autores mediram H0=74.03±1.42 km/s/Mpc (veja figura 2). Isto quer dizer que os resultados ainda não condizem com o valor mais baixo medido pelo Planck. Pior ainda: como a incerteza foi reduzida de 2.4% a 1.9%, a tensão com o resultado do Planck aumentou para 4.4σ. Por consequência, a tensão do H0 ficou ainda maior!

Isto sugere que o modelo padrão pode não ser a descrição correta do Universo. Figura 2 menciona diferentes modelos possíveis que podem explicar a tensão, entre eles modelos de energia escura no Universo primordial, ou novas espécies de neutrinos. Estas adições poderiam resolver a tensão e abrir caminho para novos modelos físicos, bem como novas teorias!

Comparision of different measured Hubble Constants

Figura 2: Diferentes medidas da Constante de Hubble utilizando observações do Universo primordial (azul) e local (vermelho). As medidas são significantemente diferentes entre si, o que sugere que o modelo cosmológico padrão pode não estar correto. As novas medidas (rotuladas “Here”, aqui em inglês) apresentam a maior tensão para aquelas do Universo primordial. Acima das medidas, os efeitos de diferentes extensões do modelo padrão são mostrados. Eles são (de baixo para cima) modelo de energia escura variante com o tempo, espécies adicionais de neutrinos, um Universo curvo, interações entre matéria escura e usual, e energia escura adicional no Universo primordial. Figura 4 no artigo original.

E agora?

O próximo passo para estudar a tensão do H0 é continuar medindo a Constante de Hubble com maior precisão, e verificar se ela persiste. As incertezas atuais são principalmente causadas por calibradores SN, mas observações futuras de SN vão reduzi-las ainda mais. Além disto, mais medidas independentes da Constante de Hubble vieram nos últimos meses, como observações usando a ponta do ramo das gigantes vermelhas, e usando lentes gravitacionais fortes. De todo modo, parece que estamos assistindo um possível nascimento de nova física, então fique alerta para resultados futuros de H0!

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