Este astroponto discute dois artigos que foram publicados na mesma edição da revista Nature Astronomy e apresentam medidas complementares de composição do cometa interestelar 2I/Borisov. Ambos artigos estão disponíveis no astro-ph.
Artigo 1
Título: The carbon monoxide-rich interstellar comet 2I/Borisov
Autores: D. Bodewits, J. W. Noonan, P. D. Feldman, M. T. Bannister, D. Farnocchia, W. M. Harris, J.-Y. Li, K. E. Mandt, J. Wm. Parker & Z.-X. Xing
Instituição do primeiro autor: Department of Physics, Leach Science Center, Auburn University, EUA
Status: publicado na Nature Astronomy
Artigo 2
Título: Unusually high CO abundance of the first active interstellar comet
Autores: M. A. Cordiner, S. N. Milam, N. Biver, D. Bockelée-Morvan, N. X. Roth, E. A. Bergin, E. Jehin, A. J. Remijan, S. B. Charnley, M. J. Mumma, J. Boissier, J. Crovisier, L. Paganini, Y.-J. Kuan & D. C. Lis
Instituição do primeiro autor: Solar System Exploration Division, NASA Goddard Space Flight Center, EUA & Department of Physics, Catholic University of America, EUA
Status: publicado na Nature Astronomy
Um objeto único
O cometa 2I/Borisov (o ‘I’ significa interestelar e ‘2’ denota que é o segundo objeto deste tipo a ser descoberto) foi detectado em 30 de agosto de 2019 pelo astrônomo amador G. Borisov (usando um telescópio de 0,65 metros que ele mesmo projetou e construiu!). A trajetória pelo Sistema Solar e a órbita hiperbólica desse cometa são uma mensagem clara de que ele veio de fora do sistema solar. 2I/Borisov é o segundo intruso interestelar em nosso Sistema Solar, depois do 1I/’Oumuamua. Diferente do 1I/’Oumuamua, observou-se que o 2I/Borisov liberava material ativamente, como se espera de cometas que, ao serem aquecidos passando perto do Sol, começam a liberar gases. Por isso, 2I/Borisov foi rotulado como o primeiro cometa interestelar. Além disso, 1I/’Oumuamua foi descoberto (em outubro de 2017) quando já estava saindo do Sistema Solar, dificultando estudos detalhados. Especificamente, não se detectou gás em observações espectroscópicas do 1I/’Oumuamua. Em contrapartida, o 2I/Borisov mostrou-se muito parecido com cometas do Sistema Solar, liberando gás e poeira ao longo de sua trajetória, o que forneceu oportunidades para os astrônomos aprenderem sobre sua composição química.
As descobertas
Cometas passam a maior parte de suas vidas a grandes distâncias de qualquer estrela, período durante o qual suas composições internas permanecem relativamente inalteradas. As observações cometárias podem, portanto, fornecer uma visão direta da composição química do ambiente durante seu nascimento, quando planetas estavam em formação. No caso do 2I/Borisov, temos uma oportunidade de sondar a composição primordial de um sistema estelar que não é o nosso. 2I/Borisov foi observado por dois observatórios astronômicos importantes, o Telescópio Espacial Hubble (HST) e o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), em 2019, quando o cometa estava próximo ao periélio de sua trajetória em torno do nosso Sol e, portanto, sua atividade de liberação de gás devido ao aquecimento foi maior. Enquanto o HST observou o cometa no ultravioleta, o ALMA o observou na faixa de comprimento de onda milimétrica. O objetivo era procurar evidências espectroscópicas para um conjunto de moléculas comumente encontradas em cometas do sistema solar, como água (H2O), monóxido de carbono (CO) e ácido cianídrico (HCN), e entender suas quantidades relativas nesse cometa, para compará-lo com cometas do nosso Sistema Solar.
Embora a maioria das propriedades do 2I/Borisov sejam semelhantes a cometas do sistema solar, o resultado que se destacou na análise das observações do HST e do ALMA foi a concentração de CO. Tanto o HST quanto o ALMA detectaram fortes linhas espectrais de emissão de CO, cujas intensidades foram usadas para deduzir a quantidade deste gás sendo liberada pelo cometa. Os resultados mostraram uma taxa de abundância extraordinariamente alta de CO/H2O de cerca de 35-155%, muito maior do que o valor médio de 4% em cometas do nosso sistema solar (Figura 1). Mesmo cometas da Nuvem de Oort, que vêm do Sistema Solar externo, mais frio e rico em gás volátil, têm razão CO / H2O na faixa de 10% a 24% (Figura 2). Isso torna 2I / Borisov um dos cometas mais ricos em CO já observados.


O que isso nos diz sobre o cometa
A grande riqueza de CO de 2I/Borisov implica que ele veio de uma região de formação de planetas que tem propriedades químicas muito diferentes do disco a partir do qual nosso Sistema Solar se formou. Muitos dos discos proto-planetários que foram observados pelo ALMA estendem-se até distâncias muito maiores (em relação às suas estrelas hospedeiras) do que aquelas em que se acredita que cometas se formaram no nosso Sistema Solar. As bordas externas desses discos extensos são extremamente frias, o que significa que um gás altamente volátil como o CO pode ser encontrado em grandes quantidades. É possível que o 2I/Borisov tenha vindo de um sistema com um desses discos maiores. A equipe que usou dados do HST considera um disco rico em carbono ao redor de uma estrela anã vermelha fria como uma possibilidade para o local de nascimento de 2I/Borisov. Essas estrelas têm baixas temperaturas e luminosidades onde um cometa poderia se formar com o tipo de composição encontrada no cometa Borisov, e as interações gravitacionais com um planeta orbitando nos confins do sistema poderiam ter ejetado o cometa. Na verdade, os autores observam que os modelos dinâmicos do nosso Sistema Solar previram que um grande número de cometas em nossa nuvem de Oort poderiam ser intrusos interestelares.
Os dois objetos interestelares, 1I/’Oumuamua e 2I/Borisov, inauguraram uma área inteiramente nova da exoplanetologia — o estudo de detritos de outros sistemas estelares. Esperamos encontrar mais visitantes interestelares em um futuro próximo com telescópios de pesquisa de última geração, como o Observatório Vera C. Rubin, e talvez estudá-los de perto com missões ambiciosas como a Comet Interceptor.
Adaptado de A glimpse into the composition of the first interstellar comet – 2I/Borisov, escrito por Ishan Mishra.