Título: First M87 Event Horizon Telescope Results. I. The Shadow of the Supermassive Black Hole
Autores: The Event Horizon Telescope Collaboration
Status: Publicado no The Astrophysical Journal, acesso aberto
Sim, você já deve ter lido tudo sobre a primeira imagem de um buraco negro (Fig. 1). Mas caso você tenha passado os últimos dias em uma caverna, ou não tenha visto a avalanche de posts, aqui vai o que você precisa saber. Em 2017 uma colaboração científica com contribuições de dezenas de instituições espalhadas pelo mundo e mais de 200 pesquisadores foi formada com esse ambicioso objetivo: criar a primeira imagem de um buraco negro. O Event Horizon Telescope tem um nome auto-explicativo: como não podemos ver o buraco negro em si, porque, bem, ele é negro, a ideia é ver a próxima melhor coisa, o horizonte de eventos, limite do buraco negro onde nada escapa, nem mesmo a luz.

Oito conjuntos de telescópios localizados no Chile, Havaí, Espanha, Antártida e México foram utilizados na empreitada (Fig. 2). Através da técnica de interferometria, eles juntos formam um telescópio virtual de tamanho comparável ao diâmetro da Terra. Ao observar a luz celeste em pontos diferentes da Terra, adicionado à sua rotação que faz com que cubra ainda mais regiões no espaço de Fourier, e combinar essa luz, o telescópio virtual pode criar uma imagem de altíssima precisão, com resolução espacial de 25 microssegundos de arco no céu. Seria como observar uma laranja no solo da Lua.

Observando na faixa do milimétrico, em aproximadamente 1.3 milímetros, os telescópios observaram dois buracos negros supermassivos: Sagitário A* (já mencionado em outro post nosso), localizada no centro da nossa galáxia, a Via Láctea; e o da galáxia M87, situada a 55 milhões de anos-luz de nós. M87* é uma galáxia ativa, onde o seu buraco negro central acreta matéria através de um disco de acreção, e ejeta parte dessa matéria em um jato de partículas que também emitem em rádio. M87* foi observado entre os dias 5 e 11 de abril de 2017 simultaneamente em condições ideais de observação.
Mas muito do trabalho feito se concentrou na redução, análise e sincronização das observações entre os telescópios. A colaboração se dividiu em formar as imagens em grupos separados independentemente, para chegarem à imagens muito parecidas entre si, fortalecendo o resultado obtido. Cabe aqui a menção ao trabalho de Katie Bouman, que três anos antes havia desenvolvido o algoritmo utilizado para formar a imagem final (Fig 3). Mulheres na ciência!

A imagem do buraco negro de M87, além de ser um feito por si só, nos conta muitas coisas. Primeiro, é mais uma confirmação da Teoria da Relatividade Geral de Einstein (já tá ficando chato isso aí, o rapaz não erra uma!). Isso porque o brilho visto ao redor do buraco negro é exatamente como se espera considerando a RG: a assimetria se deve ao fato da região mais brilhante sofrer o que chamamos de beaming relativístico. A luz, que vem do disco de acreção, é mais intensa na região que está se aproximando do observador (vindo em nossa direção), em detrimento à luz da região que se afasta de nós.
Ainda, através de modelos utilizando a RG, os autores puderam medir parâmetros físicos com uma precisão inédita (Fig. 4). A sombra tem escala comparável ao sistema solar, e a massa do buraco negro é de 6.5 bilhões de massas solares, resolvendo uma discrepância entre medidas utilizando gás (3.5 bi) e estrelas (6.2 bi).

Esse feito científico é brilhante em vários aspectos: é pioneiro, pois é a primeira imagem feita de um objeto tão importante para astrofísica; é uma demonstração de como colaboração científica é uma poderosa ferramenta para resolver questões fundamentais; é mais uma confirmação da Teoria da RG; é um avanço tecnológico e científico considerável.
Mas o que temos adiante? A curto prazo, devemos ter a publicação da imagem de Sagitário A*, o buraco negro no centro de nossa galáxia, que também foi observado. Novas antenas foram adicionadas a colaboração desde as imagens de M87, o que deve aumentar ainda mais a resolução da imagem. Comentários feitos pelos próprios membros da colaboração indica o desejo de aumentar o tamanho do telescópio virtual, e para isso teríamos que utilizar um telescópio espacial, o que ainda está no terreno da especulação.

Esse avanço é fundamental para sabermos mais sobre buracos negros, e o seu papel na evolução de galáxias. Como discutido em vários tópicos aqui do Astropontos, sabe-se que a retroalimentação em buracos negros centrais tem efeitos consideráveis na formação de estrelas das galáxias ao longo de sua vida. M87 é um claro exemplo disso, onde um jato de partículas relativísticas originadas no disco de acreção que circunda o buraco negro alcança distâncias comparáveis ao raio da própria galáxia (Fig. 6). O resultado é a injeção de energia através de choques do jato com o gás, aquecendo-o e inibindo nova formação estelar.

O que nos aguarda a partir daqui ainda não sabemos bem. Fotos de buracos negros devem se tornar mais comuns com a maior utilização de instrumentos como esses. O futuro da astronomia ainda guarda novas descobertas fantásticas, principalmente com a nova geração de telescópios gigantes que devem começar a operar na próxima década. O que nos resta é aguardar e admirar esses feitos.
3 comentários