Encontrando buracos negros de massa estelar isolados

Título: An Isolated Stellar-Mass Black Hole Detected Through Astrometric Microlensing

Autores: Kailash C. Sahu, Jay Anderson, Stefano Casertano et al.

Instituição do primeiro autor: Space Telescope Science Institute, Baltimore, EUA

Status: submetido ao ApJ [acesso aberto]

Encontrar buracos negros é bastante difícil porque, como o nome sugere, eles não emitem luz e são invisíveis em todo o espectro eletromagnético. Só podemos observar buracos negros indiretamente, por meio do efeito gravitacional que eles têm na matéria ou em outros objetos no Universo.

O primeiro buraco negro imageado diretamente está no centro da galáxia M87. O buraco negro em si nada mais é do que uma sombra escura no centro da imagem, mas podemos ver a emissão do gás quente que está girando ao seu redor, preso no campo gravitacional do buraco negro.

O artigo de hoje anuncia a primeira detecção e estimativa de massa de um buraco negro estelar isolado. Em outras palavras, os autores encontraram um buraco negro que não é supermassivo como os encontrados no centro de galáxias, que têm massas milhões ou bilhões de vezes a do Sol. Em vez disso, esse buraco negro é provavelmente remanescente da evolução de uma estrela massiva (com massa acima de 20 vezes a do Sol) que esgotou seu combustível e colapsou em um buraco negro.

Às vezes essas estrelas massivas têm companheiras binárias com uma vida mais longa, que permanecem detectáveis depois que a estrela massiva colapsa em um buraco negro. Essas companheiras nos permitem detectar indiretamente o buraco negro por meio de medidas do movimento da companheira, já que ambos objetos permanecem orbitando o centro de massa do sistema. Além disso, buracos negros binários podem também ser detectados por meio de sua emissão de ondas gravitacionais. O buraco negro de hoje não se encaixa em nenhum desses cenários, porque está isolado – não possui uma companheira estelar ou um outro buraco negro.

Um solitário sutil

Encontrar buracos negros isolados é um grande desafio. Os autores do artigo de hoje enfatizam que cerca de 30% de todas as estrelas massivas estão localizadas em sistemas simples, portanto sem uma companheira. Além de não possuírem companheiras que ofereçam uma maneira de detectar indiretamente o buraco negro, buracos negros estelares isolados têm taxas de acreção que normalmente são muito baixas para resultar em discos de acreção brilhantes ao seu redor, ao contrário do que ocorre ao redor do buraco negro supermassivo no centro de M87.

O objeto discutido no artigo de hoje foi encontrado por um evento de microlente chamado MOA-2011-BLG-191/OGLE-2011-BLG-0462. OGLE e MOA são programas de busca por microlentes que observam constantemente o espaço, porque eventos de microlente geralmente não podem ser previstos com antecedência.

O que ocorreu durante este evento foi que um objeto brilhante – uma fonte – passou atrás de um buraco negro estelar, que atuou como uma lente, ampliando a quantidade de luz detectada e mudando a posição astrométrica do objeto brilhante devido à deflexão relativística prevista por Einstein na Relatividade Geral. Esse método é a única maneira viável de encontrar buracos negros de massa estelar isolados.

Lentes gravitacionais

Esse tipo de evento pode revelar muito sobre a natureza da lente e da fonte. Uma das propriedades mais importantes quando se trata de lentes gravitacionais é o chamado raio de Einstein, que é o ângulo entre a imagem da fonte e a sua localização real. O raio de Einstein depende diretamente da massa do objeto agindo como lente. A duração de um evento de lente, por sua vez, depende da razão entre o raio de Einstein e o movimento relativo entre a lente e a fonte. Portanto, um evento de longa duração em que não há luz detectável proveniente da lente pode ser causado por um buraco negro de alta massa com um grande raio de Einstein, ou por um fonte com um movimento relativo pequeno em relação à lente. Para levantar essa degenerescência, é preciso fazer medições de altíssima precisão não apenas da curva de luz do evento e do espectro da estrela fonte (para determinar sua distância), mas também do deslocamento astrométrico da fonte durante o evento. A massa da lente pode então ser calculada a partir dessas medidas astrométricas e do raio de Einstein.

Paciência!

A busca por buracos negros de massa estelar isolados começou em 2009, quando os autores procuraram por eventos de microlentes com duração superior a 200 dias e sem luz detectável da lente na direção do bojo galáctico. Em 2 de junho de 2011, OGLE e MOA relataram simultaneamente o evento de microlente discutido aqui, que foi observado muito próximo ao bojo galáctico, a uma distância de apenas dois graus do centro galáctico.

A observação do evento foi bastante diluída por estrelas vizinhas brilhantes, cujas contribuições à curva de luz tiveram que ser estimadas e subtraídas da ampliação real da fonte pelo evento de lente. Depois disso, um fator de ampliação extremamente alto de cerca de 400 foi obtido. É necessário observar o alvo por um longo tempo para discernir entre os deslocamentos astrométricos causados pelo evento de microlente e os causados pelo movimento próprio da fonte, por isso os autores continuaram observando a fonte por seis anos (Figura 1).

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Figura 1: recortes de 2,1” por 2,0” ao redor do evento de microlente ao longo dos seis anos em que foi observado. A fonte está marcada com uma seta branca na primeira imagem. Ao lado dela, uma estrela vizinha muito brilhante pode ser vista, o que dilui a ampliação da fonte causada pela lente. A ampliação é obviamente mais forte na primeira época. A mudança astrométrica, mais difícil de perceber visualmente, atingiu seu máximo na terceira e quarta época e permaneceu detectável até a sétima época. Figura 4 no artigo de hoje.

Os deslocamentos astrométricos são minúsculos, então é preciso um telescópio muito poderoso para medir essas pequenas mudanças de posição. Felizmente, temos um deles em órbita: o Telescópio Espacial Hubble (HST). Ele é capaz de medir deslocamentos até 0,2 microsegundos de arco. Essa precisão provou ser suficiente para este evento em particular, cujas mudanças astrométricas esperadas eram de alguns milissegundos de arco.

O evento de microlente não foi observado apenas pelo Hubble, mas também por vários observatórios em terra. Os resultados podem ser vistos na Figura 2, que mostra a curva de luz completa (durante um período de 300 dias) no primeiro painel e um zoom do pico no segundo painel. É evidente que muitos dados em torno deste evento foram coletados, o que contribui para uma estimativa confiável de suas propriedades.

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Figura 2: observações do OGLE, do MOA e de diversos outros telescópios do comportamento fotométrico do evento de microlente. O painel superior mostra a curva de luz completa durante um período de cerca de 300 dias, enquanto o painel inferior é um zoom de cerca de sete dias ao redor do pico. Figura 13 no artigo de hoje.

Um remanescente estelar solitário

Depois de coletar dados por anos, os autores chegaram à conclusão de que a lente no evento conhecido como MOA-2011-BLG-191/OGLE-2011-BLG-0462 tem uma massa de 7,1 +/- 1,3 massas solares e, portanto, não pode ser uma única estrela de nêutrons ou anã branca, já que esses tipos de objetos têm massas menores. As medições sugerem que a lente está a uma distância de 1,58 +/-0,18 kpc. Uma estrela de sequência principal com essa massa e distância teria uma magnitude aparente na banda I de 9,5, de modo que, mesmo considerando a extinção por poeira, ainda seria detectável como uma fonte de luz. Como não há luz detectável da lente neste caso, uma estrela de sequência principal também pode ser descartada.

Quanto à questão se a lente é de fato um único buraco negro isolado ou um sistema binário, sabemos que um sistema binário agindo como lente causa um forte efeito nas assinaturas fotométricas e astrométricas do evento de lente. Mesmo se os buracos negros binários estivessem muito próximos, a curva de luz resultante e o deslocamento astrométrico seriam diferentes do que é observado, o que indica que de fato observou-se um objeto isolado. Esta é uma das grandes vantagens das lentes gravitacionais: se pudermos medir seus efeitos com precisão, lentes fornecem informações detalhadas sobre a natureza do sistema de lente, mesmo que ele esteja muito distante.

Em suma, parece que os autores realmente encontraram um buraco negro isolado de massa estelar medindo os efeitos que ele tem no espaço. A teoria por trás desse evento foi desenvolvida há muito tempo por Albert Einstein. Nós usamos lentes gravitacionais como um meio de detecção muitas vezes antes, para detectar exoplanetas por exemplo, mas é a primeira vez que lentes revelam um buraco negro estelar isolado. Lentes são uma excelente ferramenta para descobrir os segredos ocultos da nossa galáxia e além!

Buracos negros continuam sendo objetos extremamente fascinantes no Universo. Ser capaz de identificar a localização de um desses gigantes invisíveis é um avanço extremamente satisfatório e impressionante em sua exploração.


Adaptado de Gotcha! Finding Isolated Stellar Mass Black Holes, escrito por Jana Steuer.

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