Uma revisão estelar: re-analisando os raios de estrelas Kepler com Gaia

Título: Revised Radii of Kepler Stars and Planets Using Gaia Data Release 2

Autores: Travis A. Berger, Daniel Huber, Eric Gaidos, Jennifer L. van Sanders

Instituição do primeiro autor: Institute for Astronomy, University of Hawaii

Status: Submetido para publicação nas revistas da American Astronomical Society, acesso aberto no arXiv

Um dos mantras mais importantes no estudo de exoplanetas é o seguinte: você conhece o seu planeta tão bem quanto você conhece sua estrela. Isso porque quase 95% dos exoplanetas foram detectados indiretamente, confiando em medidas estelares para inferir os parâmetros do planeta. Usando o método do trânsito, nós procuramos por pequenas quedas no brilho de estrelas causadas por um planeta que passa na frente da estrela. A partir dessa variação, nós podemos estimar o tamanho do planeta, assumindo que sabemos o tamanho da estrela. Para detecções usando o método das velocidades radiais, nós medimos a oscilação na velocidade da estrelas causada pelo puxão gravitacional que o planeta causa na estrela. E a partir dessa oscilação nós medimos a massa aproximada do planeta, mas dessa vez assumindo que conhecemos a massa da estrela. Como nós dependemos fortemente de estimativas de parâmetros estelares para inferir parâmetros de exoplanetas, nós precisamos caracterizar e classificar essas estrelas o melhor possível.

Mas determinar as massas, tamanhos e mesmo temperaturas de estrelas é um desafio. Estrelas providenciam apenas um tipo de observável: sua luz. É apenas quando nós combinamos espectros estelares com modelos que nós podemos deduzir suas propriedades físicas. No entanto, isso também é difícil porque precisamos saber o brilho intrínseco da estrelas, sem o efeito da distância. Um objeto próximo mas fraco pode parecer brilhar mais forte do que um objeto intrinsicamente mais brilhante, só que mais distante. Portanto, para determinar o brilho verdadeiro de uma estrela, precisamos saber a sua distância. Sem uma medida precisa da distância, nós não podemos obter precisamente seu brilho intrínseco e, consequentemente, seus parâmetros físicas — pode-se até mesmo fazer uma classificação errada de uma estrela!

Com o lançamento de dados mais recente do satélite Gaia, nós agora temos medidas de paralaxe (a partir da qual derivamos diretamente a distância) de mais de um bilhão de estrelas. Em outras palavras, nós podemos agora melhor caracterizar mais de um bilhão de estrelas, o que é um passo essencial para melhor entendermos exoplanetas. Esse é o objetivo do artigo desta semana. Os autores usam distâncias do satélite Gaia para melhorar as medidas de raio de quase todas as estrelas observadas pelo satélite Kepler. A partir dos raios atualizados, os autores também podem estimar com mais precisão os tamanhos de milhares de exoplanetas.

Estrelas antes de planetas

Das ~190.000 estrelas observadas pelo Kepler, os autores melhoraram as medidas de raio de mais de 180.00 0 delas. Com os dados do Gaia, os autores atingiram uma precisão 4-5 vezes melhor que medidas anteriores. Eles também descobriram que, apesar de que os raios de muitas estrelas permaneceram inalterados depois da correção do Gaia, há uma dispersão significativa quando as medidas são comparadas (veja Fig. 1). A cor nessa figura representa o número de estrelas (como se fosse um terceiro eixo: quanto mais amarelo, maior o número). Uma tendência 1:1 é mostrada como uma linha vermelha, indicando quando não há diferença entre as medidas antes e depois do Gaia. Para algumas estrelas Kepler, os dados do Gaia produzem raios maiores do que foram inicialmente relatados, principalmente para estrelas que foram reportadas ter o mesmo raio que o Sol.

Figura 1. Comparação de raios estelares antes (eixo y, painel superior) e depois do Gaia (eixo x). A linha vermelha representa a relação 1:1 entre os dois grupos de dados. Parece que, depois do Gaia, muitas estrelas têm raios maiores que previamente relatados.

A Fig. 2 mostra o diagrama Hertzsprung-Russel (HR) de todas estrelas Kepler atualizadas. Os pontos pretos indicam estrelas na sequência principal (como o Sol), enquanto que os pontos verdes indicam as sub-gigantes, e os pontos vermelhos representam estrelas gigantes ou evoluídas. A principal tarefa do Kepler foi encontrar planetas parecidos com a Terra orbitando estrelas parecidas com o Sol, motivo pelo qual há um grande número de estrelas com temperaturas entre 5500 e 6500 K. Inicialmente assumimos que essas estrelas estavam na sequência principal, mas os autores agora mostram que uma boa parte delas são na verdade sub-gigantes, e estão começando a sair da sequência principal. De qualquer forma, 65% das estrelas-alvo do Kepler estão na sequência principal, enquanto que 23% são sub-gigantes e 12% são gigantes. Os autores notam que a re-classificação de estrelas pode levar a estudos futuros sobre a co-evolução de estrelas e planetas, já que muitas dessas sub-gigantes contêm sistemas planetários.

Figura 2. Diagrama HR das estrelas observadas pelo Kepler. Em vez de plotar a luminosidade em função da temperatura (que é o padrão para esse tipo de diagrama), os autores comparam temperatura (eixo x) e raio estelar (eixo y). Isso é possível porque raios estelares se relacionam diretamente com luminosidade.

A vez dos planetas

Mas e as estrelas que possuem sistemas planetários? A Fig. 3 mostra o diagrama HR contendo apenas estrelas com planetas confirmados (pontos vermelhos) ou candidatos (pontos pretos). De novo, há um acúmulo de estrelas em torno de 6000 K como visto na Fig. 2. Curiosamente, não encontramos muitos planetas em torno de estrelas grandes na sequência principal, mas isso é um viés de detecção porque os sinais são menores em estrelas grandes. Também parece haver um grande número de planetas candidatos em torno de estrelas gigantes. É difícil de confirmar esses planetas porque estrelas gigantes são ativas e podem apresentar falsos-positivos. Essas estrelas também são maiores que aquelas na sequência principal, o que cria trânsitos mais rasos.

Figura 3. Um subgrupo de estrelas da Fig. 2 contendo estrelas-hóspede de exoplanetas. Planetas confirmados parecem preferir estrelas na sequência principal e sub-gigantes, mas isso pode ser um viés de detecção.

Quando comparamos os raios planetários antes e depois do Gaia, os resultados mostram menos dispersão do que as estrelas (veja Fig. 4). Isso é promissor, mas ainda há uma dispersão nos dados, especialmente entre planetas candidatos. Há também uma tendência para planetas maiores depois do Gaia, o que é consequência de encontrar raios estelares maiores. Os autores também concluem que raios estelares mais precisos providenciam melhores vínculos em raios planetários, apesar de isso variar planeta a planeta.

Figura 4. Comparação entre raios estelares antes e depois do Gaia. A maioria dos planetas seguem a relação 1:1 com um pouco de dispersão. Parece haver uma preferência por planetas maiores depois do Gaia. Isso se deve aos raios estelares maiores encontrados com o Gaia e mostrados na Fig. 1.

Ciência exoplanetária com o Gaia

Com este artigo, os autores demonstram o grande potencial do Gaia para estudos futuros sobre exoplanetas. Se entendemos melhor as estrelas-hóspede, nós poderemos obter melhores vínculos com os parâmetros físicos dos exoplanetas. Isso vai ser essencial para as próximas missões exoplanetárias, incluindo o recém-lançado satélite TESS. Se nós temos alguma esperança em fazer estudos estatísticos de exoplanetas ou mesmo procurar por sinais de habitabilidade, nós precisamos primeiro focar nossas atenções nas estrelas. Afinal, nós observamos apenas a luz das mesmas, e olhe o quanto já conseguimos fazer com isso. Tudo o que precisávamos saber é de onde a luz estava vindo!


Este texto é baseado no post A Stellar Review: Re-Analyzing the Kepler Stellar Radii with Gaia, de autoria de Jessica Roberts, do site Astrobites.

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