Um pouquinho menos no escuro

Artigo: A galaxy lacking dark matter

Autores: Pieter van Dokkum, Shany Danieli, Yotam Cohen e colaboradores

Instituição do primeiro autor: Astronomy Department, Yale University

Status: Publicado na revista Nature [acesso aberto no arXiv]

Figura 1. O Dragonfly Telephoto Array em uma de suas iterações iniciais em 2015. Fonte: Dunlap Institute for Astronomy & Astrophysics

O Dragonfly Telephoto Array não é um detector típico. Consistindo de 48 lentes Canon do tipo telefoto, o Dragonfly tem uma habilidade única de imagear objetos difusos, ou com baixo brilho superficial, muito melhor que outros telescópios. Isso significa que o Dragonfly pode ser usado para observar galáxias e procurar por estruturas formadas por perturbações gravitacionais resultantes de interações com seus halos de matéria escura.

Relações entre as massas de matéria escura e matéria estelar em uma galáxia já foram determinadas, mas não são muito precisas para galáxias anãs (aquelas com menos de aproximadamente 108 massas solares). Essas galáxias são normalmente satélites de galáxias maiores, e são importantes para entender formação galática e matéria escura em pequenas escalas.

Dragonfly já provou sua utilidade em medir a relação entre quantidade de matéria escura e massas estelares, tendo encontrado entre outras coisas uma galáxia que tem a mesma massa que a Via Láctea (~1012 massas solares), mas feita em maior parte de matéria escura. No artigo dessa semana, no entanto, os autores discutem um tipo de galáxia até então incomum, com quase nenhuma matéria escura.

Espectros preparam o palco

A galáxia em questão é a NGC1052-DF2. Ela está localizada na constelação de Cetus, perto da galáxia muito mais brilhante NGC 1052 (veja Fig. 2). Baseados em observações de NGC1052-DF2 e NGC 1052, os autores mediram a distância da primeira em aproximadamente 20 megaparsecs.

Figura 2. Um zoom da NGC1052-DF2 como vista no campo do Dragonfly. A galáxia elíptica mais brilhante NGC 1052 é marcada no centro junto com outras galáxias em sua vizinhança.

Essa galáxia anã já foi imageada anteriormente; o que chamou a atenção dos autores desta vez é que ela parecia diferente nas imagens do Dragonfly quando comparada com imagens do Sloan Digital Sky Survey (SDSS). Enquanto a galáxia parecia ser um objeto grande (2 minutos de arco) e difuso no Dragonfly, no SDSS ela aparecia como uma coleção de objetos pontuais (veja Fig. 3). Dessas fontes pontuais, dez objetos compactos foram observados em espectroscopia para determinar se eles fazem parte da NGC1052-DF2. Se eles o fazem, então podem ser usados para entender a distribuição de massa da galáxia.

Figura 3. NGC1052-DF2 vista pelo Dragonfly (esquerda) e pelo SDSS (direita). A diferença entre as duas imagens é imediatamente aparente, e evidencia a habilidade do Dragonfly em detectar estruturas pouco perceptíveis.

Os espectros mostraram que os dez objetos (considerados como aglomerados globulares por enquanto) têm baixa dispersão de velocidade, ou seja, que suas velocidades individuais são muito próximas da velocidade média de todos dez objetos. Isso significa que eles estão muito próximos uns dos outros, fortalecendo a hipótese de que pertencem à galáxia NGC1052-DF2. A proximidade dos objetos também sugere que a galáxia é bem pequena.

Olá escuridão, minha velha amiga

Como a matéria escura não pode ser medida diretamente, a quantidade da mesma em uma galáxia é determinada usando marcadores que medem a massa total de uma galáxia (chamada de massa dinâmica, definida aqui pela incomparável astrônoma Vera Rubin). A massa total da galáxia é então comparada com a massa estelar visível para determinar quanta matéria escura ela contém. Usando os aglomerados globulares de antes, os autores determinaram que NGC1052-DF2 tem uma massa dinâmica menor que 3.4 x 108 massas solares, enquanto que a sua massa estelar aparente é 2 x 108 massas solares (veja Fig. 4). Isso deixa pouquíssimo espaço para matéria escura!

Figura 4. Este gráfico mostra os perfis de galáxias com diferentes massas. O eixo X representa a distância até o centro da galáxia em kiloparsecs (kpc) e o eixo Y indica a quantidade de matéria escura dentro de um certo raio. As curvas escuras denotam massa total, as curvas cinzas denotam massas de matéria escura, e a curva laranja denota a massa estelar de NGC1052-DF2. A curva laranja e a curva preta para a galáxia de 108 massas solares seguem bastante próximas, sugerindo que NGC1052-DF2 não tem um halo de matéria escura.

Apesar da história da formação de NGC1052-DF2 ser desconhecida por enquanto, os autores apresentam algumas sugestões. A galáxia pode ter sido formada a partir de gás arremessado por galáxias em interação, uma hipótese que é suportada pela velocidade e  pela proximidade da galáxia elíptica maior. Ela também pode ter sido formada a partir do gás empurrado por ventos de quasares, o que é possível dado a sua localização. No entanto, NGC1052-DF2 é um pouco grande demais e fraca para o que é esperado desse mecanismo de formação. Outra sugestão é de que ela pode ter se formado de gás caindo em direção a NGC 1052, mas que nunca chegou à galáxia maior.

Em todo caso, NGC1052-DF2 é uma prova de que galáxias podem existir com pouca matéria escura. Isso suporta a ideia de que matéria escura pode ser separada de matéria bariônica regular, como já foi provado com o Aglomerado Projétil (que foi discutido neste post do Astrobites). A existência de NGC1052-DF2 também sugere que teorias que dependem da ausência de galáxias pobres em matéria escura precisam ser reconsideradas.

NGC1052-DF2 talvez não permaneça única por muito tempo. Os autores dizem que há objetos similares que serão estudados muito em breve. Esperamos que muitas outras galáxias similares sejam descobertas no futuro próximo!


Nota 1: Este texto é baseado no post A Little Less in the Dark, escrito por Tarini Konchady no Astrobites.

Nota 2: A imagem em destaque é da galáxia anã NGC1052-DF2 imageada pelo Telescópio Espacial Hubble.

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