No dia 12 deste mês, o consórcio de telescópios ESO (do inglês, European Southern Observatory) anunciou a suspensão do Brasil na participação do consórcio. O resultado esperado de um imbróglio que dura mais de 7 anos veio mais tarde do que o previsto, e é um golpe na esperança de alavancar a astronomia brasileira a um patamar onde dificilmente chegará sem uma colaboração de tal magnitude. Além de afetar astrônomos que hoje utilizam dados do ESO, essa suspensão terá grandes consequências para as próximas gerações de astrônomos.
Mas antes, vamos contextualizar. Em 2010 foi assinado o acordo entre Brasil e ESO para participação do país no consórcio, sendo essa a primeira aprovação de um membro não europeu. Com isso a comunidade brasileira teve acesso aos telescópios do consórcio com pé de igualdade com os outros membros, podendo competir com tempo de observação da mesma forma. Além disso, o Brasil teve a possibilidade de desenvolver instrumentos que serão utilizados nos telescópios, vislumbrando uma evolução na área de instrumentação astronômica.
Para efetivar a parceria seria necessário o pagamento da ordem de 270 milhões de euros parcelados em 10 anos. Segundo estimativa do ESO, cerca de 70% deste valor retornaria a economia brasileira, em forma de contratos industriais e geração de emprego, entre outros. Após anos de luta na comunidade astronômica, o acordo foi aceito pela Câmara de Deputados e pelo Senado Federal, faltando apenas a aprovação presidencial. Governos Dilma e Temer, preocupados com a crise financeira, nunca assinaram a aprovação. Para se ter ideia do que seria o impacto do acordo na economia brasileira, o valor total (ao longo dos 10 anos) é equivalente ao total gasto em auxílio moradia a juízes em apenas um ano.

O ESO é considerado o consórcio de telescópios mais produtivo do mundo. Além de já operar telescópios de ponta como o VLT (4 telescópios de 8 metros) e o ALMA (maior conjunto de radio telescópios do mundo, juntamente com EUA e Japão), será o responsável pelo maior telescópio ótico já construído, o ELT, que terá um espelho principal de assombrosos 39 metros de diâmetros. Isso sem mencionar na grande quantidade de telescópios menores que fazem astronomia de alta qualidade, como a pesquisa liderada pelo pesquisador Jorge Meléndez, da USP, que utiliza dados do ESO para procurar estrelas parecidas com o Sol.
Lembro que nos anos iniciais do acordo houve uma grande discussão na comunidade astrônomica sobre a participação do Brasil no ESO. Ainda um aluno de mestrado, eu via os nomes que guiam a pesquisa brasileira em dúvida se a comunidade tinha tamanho e maturação suficiente para suportar tal investimento. Apesar da resistência de uma pequena (e influente) parcela da comunidade, aos poucos entendemos que este investimento seria transformador, que representaria um pulo para dar sequência ao crescimento que vinha de participações nos telescópios Gemini e SOAR. De fato, a comunidade mostrou que é madura o suficiente, com número de pedidos de tempo aceitos comparáveis aos dos europeus logo no primeiro ano. Se vislumbra agora que o ESO, depois de ter perdido a paciência, procure por novos parceiros para incluir em seus projetos, como a Austrália.

Na prática, resta a nós astrônomos fazermos a pressão para colocar o Brasil de volta na colaboração. O ESO deixou claro que está de portas abertas para uma renegociação do acordo com o Brasil, o que provavelmente implicaria na discussão de novos valores. Precisamos engajar o público com a causa de forma a produzir a vontade política para que isso aconteça, mostrando por que a astronomia é importante, e por que ciência deve ser uma prioridade para nosso país.
Enquanto o dia em que o Brasil retorna ao ESO não chega, aqueles que querem concorrer por tempo de observação em pé de igualdade com países do consórcio devem estabelecer colaborações com pessoas que trabalham em um desses países: as regras do ESO dizem que o pedido de tempo é considerado “da casa” quando pelo menos um terço dos autores trabalha em um país membro do consórcio. Naturalmente, os outros benefícios da participação do Brasil no ESO, como a possibilidade de participar em licitações, ficam de fora, mas pelo menos a ciência ainda continua.
A sensação, no entanto, é de que perdemos uma grande oportunidade de crescimento da astronomia brasileira. Pesquisadores estrangeiros veriam com bons olhos a possibilidade de trabalhar no Brasil, sendo membro do ESO. A instrumentação brasileira perderá a chance de continuar colaborando com um dos consórcios mais desenvolvidos na área. As novas gerações de astrônomos, que ainda estão em formação nos programas de pós-graduação, poderiam trabalhar com dados de altíssima qualidade, certamente resultando em doutores mais qualificados. Tivemos apenas um gostinho disso durante 7 anos, e agora que o bonde passou, vai ser difícil correr atrás.