Há muito tempo atrás, numa galáxia espiral muito, muito distante

Título: The most ancient spiral galaxy: a 2.6-Gyr-old disk with a tranquil velocity field

Autores: Tiantian Yuan, Johan Richard, Anshu Gupta, Christoph Federrath, Soniya Sharma, Brent A. Groves, Lisa J. Kewley, Renyue Cen, Yuval Birnboim, David B. Fisher

Instituição do Primeiro Autor: Centre for Astrophysics and Supercomputing, Swinburne University of Technology, Hawthorn, Austrália

Status: Aceito para publicação no ApJ [acesso livre]

Espirais no Universo profundo

Galáxias espirais são caracterizadas por braços espirais e formadas por um disco de estrelas e gás em rotação (Figura 1, por exemplo). Acredita-se que em torno de 70% das galáxias próximas da Via Láctea são espirais, incluindo a própria. Ainda não sabemos exatamente como os braços espirais são formados, e nem se são estruturas que se mantêm por muito tempo ou são passageiras. Mas sabemos que são muito raras no Universo jovem, e que apenas uma galáxia espiral foi observada até hoje com redshift maior que 2 (veja a nota abaixo para mais detalhes sobre redshift).

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Figura 1: NGC 5457, aka M101, aka Galáxia do Catavento, um exemplo de galáxia espiral. Nesta imagem do Telescópio Espacial Hubble, vemos claramente os braços espirais seguindo a orientação anti-horária, sendo caracterizada por pontos azuis (regiões de formação estelar) e faixas de poeira.

O fato de que existem muito mais galáxias espirais agora do que quando o Universo era jovem parece indicar que essa classe demorou um certo tempo para evoluir. Mas para descobrir o real motivo, é importante procurar saber quantas dessas galáxias realmente existem no Universo jovem. E foi isso que os autores do artigo de hoje conseguiram, ao observar uma galáxia que existiu quando o Universo tinha “apenas” 2.6 bilhões de anos (um quinto da idade atual).

Lentes para ajudar a ver melhor

Neste artigo, foram utilizados dados do Telescópio Hubble para identificar duas imagens magnificadas da galáxia A1689B11, que está localizada atrás do aglomerado de galáxias Abell 1689. Esse efeito de magnificação é conhecido como lenteamento gravitacional, e ocorre quando um objeto massivo (como um aglomerado de galáxias) está entre uma fonte (neste caso a galáxia espiral A1689B11) e o observador (neste caso o Hubble). A Figura 2 mostra as imagens obtidas pelo Hubble de A1689B11, identificadas como B11.1 e B11.2.

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Figura 2: Duas imagens, B11.1 e B11.2, da galáxia espiral A1689B11, após sofrer lenteamento gravitacional por Abell 1689. O campo do instrumento NIFS é indicado pela caixa branca.

Os autores utilizaram então o instrumento NIFS, do telescópio Gemini, para observar a imagem B11.1. Esse instrumento observa a luz no comprimento de onda do infravermelho. Ao dispersar a luz, o instrumento mede o espectro da luz, com o fluxo variando em relação ao comprimento de onda. Ao utilizar esses dados, os autores puderam medir a linha do hidrogênio conhecida como Hα, bastante comum em galáxias. Utilizando os espectros da galáxia ao longo de todo o campo de visão do NIFS, os autores puderam medir a velocidade do gás no disco da galáxia e criar um mapa de velocidade.

Para comparar o mapa de velocidades com o que se espera de uma galáxia espiral, foi utilizado um modelo de rotação que representa bem galáxias espirais. Essa comparação pode ser vista na Figura 3. O que podemos ver é que o modelo representa muito bem o mapa observado, indicando que realmente se trata de um disco de uma galáxia espiral, assim como as que vemos no Universo próximo de nós.

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Figura 3: Da esquerda para a direita: Mapa de velocidade observado de A1689B11, mapa do modelo de rotação e subtração do primeiro com o segundo. As barras de cores mostram as velocidades dos mapas. Nota-se que a subtração é praticamente zero, indicando que o modelo é fiel ao observado.

A lição da mais velha das espirais

E o que isso nos diz? Bom, galáxias no Universo jovem em geral ainda estão se formando, e quando medimos suas velocidades e como o gás e estrelas estão se movimentando em relação ao seus centros, vemos que tudo é muito mais caótico naquela época, com gás se movendo para todos os lados. A1689B11 apresenta não só um perfil muito comportado de rotação, mas o gás e as estrelas se movem juntos, com baixa dispersão de velocidades. De fato, a razão da velocidade por sua dispersão é comparada a galáxias espirais locais, e por volta de 4 vezes maior que galáxias com z>2 geralmente apresentam.

Essa é uma importante descoberta para compreendermos como as galáxias espirais se formam. Além de inspirar posts com títulos baseados em Star Wars, pode-se dizer que A1689B11 é uma galáxia rara, a primordial das galáxias espirais, vivendo em uma época em que suas iguais ainda estavam nascendo.


Notaredshift é uma medida de distância. Devido ao Efeito Doppler e à lei de Hubble, a luz emitida por uma galáxia distante é avermelhada, ou seja, o comprimento de onda original da luz aumenta. O redshift é dado pela razão da diferença do comprimento de onda original com o observado pelo comprimento de onda original (z = Δλ/λ). Como quanto maior o deslocamento do comprimento de onda, maior a distância, assim o redshift é maior, e o redshift é então proporcional a distância do objeto.

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