O primeiro planeta encontrado ao redor de uma anã branca

Título: A Giant Planet Candidate Transiting a White Dwarf

Autores: Andrew Vanderburg, Saul A. Rappaport, Siyi Xu, et al.

Instituição do primeiro autor: University of Wisconsin-Madison e The University of Texas at Austin, EUA

Status: publicado na Nature [acesso aberto no astro-ph]

Um campo da astronomia que se desenvolveu notoriamente nos últimos 30 anos é o estudo de exoplanetas, ou planetas fora do nosso Sistema Solar. Estudar planetas ao redor de outras estrelas não só nos ajuda a compreender o quão única é a nossa Terra, mas também nos permite estudar como planetas e sistemas planetários são formados em geral. Desde a primeira descoberta de um exoplaneta em torno de um pulsar em 1992, astrônomos vêm aprimorando seus métodos de busca; com isso, milhares de exoplanetas já são conhecidos. As características dos exoplanetas que foram descobertos até agora são extremamente variadas: do planeta de diamante orbitando o pulsar J1719-1438 ao possível planeta que experimenta um pôr-do-sol triplo todos os dias, descobriu-se que exoplanetas existem em várias formas e tamanhos. A maioria desses planetas foi encontrada orbitando estrelas como o nosso Sol, que está na sequência principal, mas os autores do artigo de hoje descobriram o primeiro exoplaneta em órbita em torno de uma anã branca. Anãs brancas são o final evolutivo da maioria das estrelas — nosso próprio Sol irá tornar-se uma anã branca em alguns bilhões de anos. Até a descoberta deste planeta, não tínhamos evidências observacionais de que planetas podem sobreviver intactos ao processo de evolução estelar.

Um TESSte do instrumento

O satélite TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite) da NASA está em busca de exoplanetas desde 2018 e já encontrou mais de 2000 candidatos. O TESS usa o método de trânsito para detectar planetas, que mede o escurecimento de uma estrela devido à passagem de um planeta (veja a Figura 1).

Figura 1: Um exemplo de curva de luz. Quando o planeta transita em frente à estrela, causa uma ligeira diminuição do brilho detectado, que pode ser observada com instrumentos poderosos como o TESS. Créditos da imagem: NASA.

O instrumento possui um sistema de classificação automatizado projetado para identificar planetas ao redor de estrelas da sequência principal. Quando um evento de trânsito em torno da anã branca WD1856+534 foi observado pela primeira vez (veja a Figura 2), o sinal foi rejeitado porque a estrela não era um dos alvos usuais da TESS (uma estrela da sequência principal). Esse planeta não foi descoberto até que os autores fizeram uma inspeção visual de todos os eventos semelhantes a trânsito detectados em torno de anãs brancas. Como a resolução angular do TESS é bastante baixa, os autores usaram dois telescópios maiores, o Telescópio Carlos Sánchez e o Gran Telescopio Canarias, para reobservar a WD1856+534 e, com isso, foram capaz de confirmar que estavam de fato observando um objeto do tamanho de Júpiter transitando a anã branca.

Figura 2: O trânsito do planeta visto pelo Gran Telescopio Canarias, mostrando o tempo (aqui centrado no trânsito) versus o brilho relativo da estrela. Figura 1a no artigo.

Caracterizando o objeto

Após a descoberta inicial, os autores sabiam o tamanho aproximado do objeto (chamado WD 1856 b) por causa da quantidade de luz que ele bloqueia, mas não podiam saber sua massa. Objetos do tamanho de Júpiter podem pertencer a diferentes classes, desde um planeta gigante (que tem um décimo da massa de Júpiter) a uma estrela de baixa massa (que pode pesar dez vezes mais que Júpiter). O método mais utilizado para determinar a massa de um objeto em órbita é buscar por variações de velocidade radial da estrela hospedeira por meio do efeito Doppler. Estrela e planeta orbitam o centro de massa do sistema – quanto maior a massa do planeta, maior será a variação de velocidade da estrela porque o planeta puxa o centro de massa para a sua direção. Contudo, para medir velocidade radial, é necessário que sejam detectadas linhas espectrais na estrela. Essa anã branca é tão fria que não se observa nenhuma linha no seu espectro – os átomos estão em seu estado fundamental. Os autores tiveram então de utilizar outra técnica menos precisa, de monitoramento térmico. Eles observaram o objeto no infravermelho usando o Telescópio Espacial Spitzer, da NASA, e mediram a quantidade de emissão térmica do objeto em comparação com a da anã branca, descobrindo assim que o objeto em trânsito emite não mais do que 6,1% do fluxo da estrela. Isso indica que o objeto tem uma massa da ordem de 14 vezes a massa de Júpiter, consistente com a de um planeta ou de uma anã marrom de massa muito baixa. Esses dois tipos de objetos se contraem à medida que envelhecem e esfriam, de modo que a idade do sistema pode ajudar a verificar qual tipo de objeto é mais consistente com as observações segundo nossos modelos. Analisando o movimento da estrela, os autores encontraram que ela faz parte do disco fino da Via Láctea, o que implica que ela deve ter menos de 10 bilhões de anos. Para essa idade, a massa é mais consistente com um planeta.

Como esse sistema se formou?

A maioria das anãs brancas binárias com períodos curtos são formadas por meio de um processo chamado de envelope comum. Neste cenário, a estrela mais massiva em uma binária engolfa a menos massiva em seu envelope gasoso quando evolui para uma gigante vermelha. Se houver energia potencial gravitacional suficiente, o envelope pode ser ejetado e o sistema se torna uma binária com um período de minutos a dias; caso contrário, a estrela menos massiva continua a orbitar o núcleo da outra estrela, espiralando até que ambas se fundem (veja a Figura 3).

Figura 3: O processo de envelope comum. A estrela A se torna uma gigante vermelha (primeira linha) e envolve a estrela B em seu envelope (segunda linha). Se o sistema tiver energia suficiente, o envelope é ejetado e uma binária próxima é formada (canto inferior esquerdo). Se não, as estrelas se fundem formando um único objeto massivo (canto inferior direito).

Comparado a outros objetos que orbitam anãs brancas, o planeta tem uma massa baixa e um período relativamente longo (~ 34 horas), mas bastante curto comparado a planetas típicos. Estimativas de massa e período orbital permitem inferir a energia do sistema, que sugere que um cenário de envelope comum não é plausível (ele só funcionaria se começasse depois da maior parte do envelope já ter sido perdida, o que não é esperado). Portanto, é mais plausível que o sistema tenha se formado de outra forma. Os autores sugerem que o planeta estava próximo à estrela progenitora da anã branca (uma estrela da sequência principal) e por isso sofreu violentas instabilidades dinâmicas durante a evolução estelar. Simulações confirmam que, em sistemas multi-planetários, objetos como este planeta podem ser lançados para órbitas próximas da estrela. Isso provavelmente aconteceu com este sistema. Dada a idade da estrela, o planeta teria tempo para estabilizar-se na órbita atual.

Há muito mais que podemos aprender com este planeta. Se o planeta for realmente frio, poderíamos buscar observar moléculas como metano e amônia; se for quente, a baixa luminosidade da anã branca implica que o Telescópio Espacial James Webb poderia observar o espectro de emissão do planeta. Este sistema mostra que objetos de baixa massa podem migrar para órbitas próximas em torno de anãs brancas e evitar serem destruídos por forças de maré. Os mecanismos de formação sugeridos por este planeta também poderiam produzir planetas de tamanho semelhante ao da Terra, abrindo caminho para descobertas de exoplanetas semelhantes ao nosso em diferentes ambientes estelares.


Adaptado de The First Planet Found Orbiting a White Dwarf, escrito por Haley Wahl.

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