A crescente descoberta de planetas pequenos e rochosos a cada ano nos leva a crer que a detecção de uma potencial bioassinatura está cada vez mais próxima. Porém, o tópico de bioassinaturas ainda tem alguns desafios pela frente, entre eles:
- Amostra suficiente de planetas habitáveis
Um dos primeiros desafios é conseguir uma amostra grande suficiente de planetas pequenos orbitando estrelas brilhantes e anãs vermelhas, pois são os alvos mais fáceis de serem detectados com a técnica de trânsito planetário. Além disso, esses planetas precisam ser potencialmente habitáveis (ou seja, ter água líquida na superfície) e ter sua temperatura de superfície bem determinada, assim como suas propriedades atmosféricas (massa, composição, presença de efeitos estufas). Esse cenário promete mudar com o telescópio espacial TESS que já está em operação e que foca na detecção de planetas orbitando estrelas brilhantes.
2. A capacidade de telescópios detectarem moléculas na atmosfera de exoplanetas
Esse é um desafio que ainda é enfrentado mesmo na caracterização de atmosfera de planetas gasosos gigantes conhecidos como “Hot-Jupiters” (em inglês), em que detecções de moléculas em atmosferas planetárias feitas pelo telescópio espacial Hubble ainda continuam controversas. Porém, muitas moléculas já foram detectadas com sucesso, como Na, K, CO, H2O, CH4, TiO, além de nuvens e aerossóis. A próxima geração de telescópios, como o espacial James Webb-Telescope (JWST, NASA-ESA) e os grandes telescópios terrestres (GMT, TMT, E-ELT) que estão sendo construídos serão capazes de detectar atmosfera em planetas pequenos orbitando estrelas anãs vermelhas. Para atingirmos a precisão necessária no caso de trânsitos planetários, teremos que eliminar erros sistemáticos do instrumento e combinar vários trânsitos.
3. Assinaturas falso-positivas
As assinaturas falso-positivas são aquelas produzidas por fatores não-biológicos mas que poderiam ser também ser produzidas por processos biológicos. Por exemplo, oxigênio derivado de processos fotoquímicos ao invés do oxigênio produzido pela fotossíntese. A maioria dos falso-positivos podem também ter origem geológica, como emissões por vulcões, ventos termais na crosta ou no oceano, mas podem ter também origem fotoquímica. Uma forma de se distinguir uma biossinatura verdadeira é identificar um gás que esteja ordens de magnitude fora de equilíbrio termodinâmico. Na Terra, a abundância de metano é ordens de magnitude acima do valor de equilíbrio devido a constante emissão de metano por organismos vivos (o pum das vacas é um bom exemplo!).
Bioassinaturas em super-Terras
Um dos planetas mais favoráveis para a detecção de biossinaturas são as super-Terras, um tipo de planeta que não encontramos no nosso Sistema Solar. Juntamente com planetas mini-Neptuno, eles constituem a maior parte de planetas já detectados pela missão espacial Kepler (ver Figura abaixo). Por serem mais massivas do que um planeta do tipo Terra, elas são mais facilmente detectadas pelas técnicas de velocidade radial ou de trânsito planetário. Além disso, por terem uma área maior de superfície, elas também são mais favoráveis para o estudo de emissão de radiação térmica que pode caracterizar sua estrutura térmica global.

A atmosfera desses planetas, entretanto, pode ser bem diferente da atmosfera terrestre que é composta por N2 ou CO2 com a qual estamos acostumados. Essas super-Terras poderiam ter um envelope muito fino de hidrogênio – ao contrário de seus parentes mini-Neptunos que possuem envelopes atmosféricos massivos que fazem a superfície do planeta muito quente para ter água líquida (se é que há alguma superfície!). Observações de super-Terras que orbitam próximo de suas estrelas-maes indicam que elas são o resultado da perda do envelope atmosférico de planetas mini-Neptuno devido a alta radiação de ultravioleta extremo (EUV) em seus primeiros anos de vida (digo, milhões de anos). Essas super-Terras formariam um novo envelope através do acúmulo de hidrogênio escapado por atividade vulcânica. Enquanto que as super-Terras mais distantes da sua estrela-mãe e que não sofrem escape atmosférico poderiam manter o envelope de hidrogênio capturado da nebulosa no qual o planeta se formou.
A vantagem de uma atmosfera rica em hidrogênio é que por ser um gás de densidade baixa, ele faz com que a atmosfera seja mais expandida do que aquelas formadas por gases mais pesados (como a nossa) e portanto facilita a detecção por métodos espectroscópicos, como a espectroscopia de transmissão que é uma das técnicas mais utilizadas atualmente.
Quais bioassinaturas são formadas nesse tipo de super-Terra?
A formação de bioassinaturas em super-Terras dominadas por hidrogênio vai depender da radiação ultravioleta (UV) recebida pelo planeta. Ambientes com baixo UV (por exemplo, em órbita de anãs M de baixa atividade) produzem uma baixa concentração de H, e no caso bioassinaturas como CH3Cl e DMS são mais favoráveis. Outras bioassinaturas, como a amônia (NH3) que é resultante da extração de energia do ambiente, e N2O são favoráveis em ambientes tanto de baixo UV como em um nível de UV similar ao solar pois esses gases são destruídos por fotolíse e não por H.

Seria possível um microorganismo sobreviver numa ambiente rico em H2?
Para testar essa hipótese, um experimento realizado pelo grupo do MIT liderado pela cientista Sara Seager usaram um conhecido microorganismo terrestre, a E. Coli, que normalmente não habita ambientes ricos em H2, e fungos. Apesar do hidrogênio ser um ambiente novo para a E. Coli, esta bactéria já é acostumada a viver em ambientes anaeróbicos, como os estômagos de animais (sim, ela pode estar aí dentro de voce!). Além disso, a E. Coli, produz vários gases (de nomes exóticos) promissores de serem bioassinaturas: amônia, metanoetiol, dimethylsulfide, carbonyl sulfide, óxido nitroso, isopropeno e possívelmente metano e fosfina. O grupo encontrou que os dois tipos de microorganismos são capazes de viver e reproduzir em uma ambiente com 100% H2.

As super-Terras nos mostram que diversas formas de habitabilidade em mundos tão diferentes do nosso é possível. Várias das biossinaturas em super-Terras ricas em hidrogênio podem ser detectadas com futuro telescópio espacial JWST através de espectroscopia de transmissão. Enquanto o JWST ainda não é lançado (previsão para 2021), nós ficamos aqui na Terra a procura de potenciais planetas super-Terras para serem observados.
Este post é uma continuação da série Bioassinaturas e foi baseado nos artigos Seager et al. (2013) e Seager et al. (2020).