Autores: Hisashi Hayakawa, Yasuyuki Mitsuma, Yusuke Ebihara e Fusa Miyake
Instituição do primeiro autor: Escola de Pós-Graduação em Letras, Universidade de Osaka, Toyonaka, Japão
Status: Publicado na Astrophysical Journal Letters, acesso aberto pelo arXiv.
Os humanos sempre foram observadores e fascinados pelo céu. Desde tempos mais primórdios, olhamos para o céu e tentamos entender o que vemos lá. Há milhares de anos, acreditava-se que os movimentos dos corpos celestes e as aparências de cometas e meteoros eram presságios que determinavam o destino dos reis, previam a queda dos grandes impérios e muitas outras interpretações sociais do mundo. Astrólogos oficiais da corte eram contratados para ler esses presságios no céu para tentar adivinhar seus significados (esperançosamente favoráveis).
Muitas dessas observações antigas dos eventos celestes ainda sobrevivem como registros escritos em tábuas cuneiformes inscritas há mais de dois milênios. O cuneiforme era um dos primeiros sistemas de escrita já produzido pela humanidade. Ele era tipicamente inscrito em tábuas retangulares de argila usando uma palheta sem corte para produzir marcas em forma de cunha. Algumas tabuletas cuneiformes foram descobertas em sítios arqueológicos em todo o Oriente médio e Oriente próximo, como na antiga cidade assíria de Ninevah (atual norte do Iraque) – uma vez a maior cidade do mundo-. Estas tábuas foram usadas para quase tudo, desde gravação de eventos celestes, documentando leis e crenças religiosas a até mesmo obras literárias inteiras – como a famosa epopeia de Gilgamesh.

Os astrônomos do trabalho de hoje rastrearam mudanças na atividade do Sol usando uma variedade de métodos, incluindo o exame das taxas de ocorrência de manchas solares. As manchas solares estão associadas a erupções solares e ejeção de massa coronal – enormes erupções compostas de prótons e elétrons com alta energia que podem causar tempestades geomagnéticas quando direcionadas para a Terra (alta carga elétrica). Uma característica bem conhecida associada a tempestades geomagnéticas particularmente fortes é a ocorrência de auroras, produzidas quando partículas de alta energia excitam átomos na atmosfera da Terra. Os astrônomos observam manchas solares desde o advento do telescópio, mas se queremos examinar a história da atividade do Sol antes disso, precisamos recorrer a registros históricos de fenômenos ligados à atividade solar, como as auroras. A figura 1 apresenta a reprodução de uma das tábuas analisadas no trabalho.
Uma equipe liderada por Hisashi Hayakawa, pesquisador da Universidade de Osaka e principal autor do artigo de hoje, realizou uma pesquisa com tábuas cuneiformes datadas dos séculos VIII e VII AEC (antes da era comum). Os autores procuraram referências a auroras que possam corresponder a evidências inferidas a partir de amostras de anéis de árvores. Os anéis de árvores armazenam informações sobre as condições ambientais presentes no momento de sua formação e durante períodos de forte atividade solar, mostram concentrações elevadas do isótopo radioativo carbono-14, produzido quando partículas de alta energia interagem com átomos de nitrogênio na atmosfera. Estudos de amostras de anéis de árvores por volta de 660 AEC demonstrou conter níveis elevados de carbono-14 e os pesquisadores se perguntaram se poderiam encontrar referências históricas que corroborassem a esse pico inferido na atividade solar.
A equipe encontrou três tábuas cuneiformes assírias e babilônicas separadas, mantidas no museu britânico, que se referiam a “nuvens vermelhas” e um “brilho vermelho” iluminando o céu noturno e que datam do período de 679 a 655 AEC. Essas descrições são semelhantes à referência mais antiga conhecida de uma aurora, encontrada em uma tábua babilônica datada de 587 AEC. Os pesquisadores sugerem que essas descrições, muito provavelmente, se referem a um tipo de atividade auroral conhecida como arcos vermelhos aurorais estáveis (stable auroral red arcs), produzidos pela interação de fortes campos magnéticos e elétrons nos átomos de oxigênio da atmosfera terrestre. A figura 2 apresenta um imagem de uma típica aurora.

Embora pensemos que as auroras são fenômenos de latitude norte (ou sul no caso da Aurora Austral), isso nem sempre foi verdade. Com o tempo, os pólos geomagnéticos da Terra mudam devido a mudanças no campo magnético da Terra e, há milhares de anos, o pólo norte estaria localizado muito mais perto do Oriente Médio. Além disso, atividades solares fortes, como ejeção de massa coronal, podem fazer com que as auroras se tornem visíveis em latitudes muito mais ao sul. Portanto, é bem provável que as auroras tenham sido visíveis na região dessas observações durante este período.
Essas descobertas constituem a evidência escrita mais antiga conhecida sobre as auroras e potencialmente estendem a história da atividade do Sol quase um século além dos registros anteriores. Eles também podem nos ajudar a prever tempestades solares futuras, que têm a capacidade de interromper os elétrons energéticos capazes de danificar satélites e naves espaciais.
Adaptado de: Ancient Aurorae: Assyrian and Babylonian Astrologers Recorded the Oldest-Known Solar Storms, escrito por Jamie Wison.