O estranho tipo de matéria que pode estar no centro das estrelas de nêutrons

Título: Quark-matter cores in neutron stars

Autores: Eemeli Annala, Tyler Gorda, Aleksi Kurkela, Joonas Nättilä e Aleksi Vuorinen

Instituição do primeiro autor: University of Helsinki, Finlândia

Status: disponível no arquivo do CERN [acesso aberto]

Os tipos de matéria que vemos no nosso dia-a-dia são simples. Desde pequenos, ouvimos sobre sólidos, líquidos e gases. Aos poucos, plasmas estão também se tornando parte da nossa vida diária, de telas de TV a lâmpadas fluorescentes. Um plasma se forma quando há energia suficiente para arrancar elétrons dos átomos. O que acontece se adicionarmos ainda mais energia a um plasma? O acelerador de partículas Large Hadron Collider (LHC) no CERN tem a capacidade de fazer exatamente isso, colidindo átomos a energias tão altas que um plasma de quarks se forma.

Mas e o que são quarks?

Se você achava que prótons, nêutrons e elétrons eram as menores partículas possíveis, pense de novo. Prótons e nêutrons são feitos de partículas ainda menores, chamadas quarks. Quarks ocorrem em seis “sabores” diferentes, com nomes que expressam a grande criatividade dos físicos: up, down, strange, charm, bottom, e top (que poderíamos traduzir como cima, baixo, estranho, charme, fundo e topo). Prótons e nêutrons são feitos de diferentes combinações de três quarks, que são mantidos juntos por uma outra partícula chamada glúon (o nome não é uma coincidência, mas outra expressão de criatividade: glue em inglês é cola). Quarks se “descolam” a densidades de energia altíssimas, de aproximadamente 500 mega-elétron-volts por femtômetro cúbico (leia-se: a energia de 1000 elétrons em um espaço do tamanho de um próton!).

Embora um plasma de quarks e glúons possa ser feito em laboratório, condições tão extremas não são normalmente encontradas na natureza. Logo após o Big Bang, o Universo teria sido composto por esse tipo de matéria, mas atualmente o único lugar em que ela poderia ser encontrada naturalmente é nos núcleos de estrelas de nêutrons.

No centro das estrelas de nêutrons

Um plasma de quarks e glúons precisa de energias altíssimas para existir. Isso só é possível em lugares muito quentes e densos, como é o caso das estrelas de nêutrons. Essas estrelas são feitas, obviamente, de nêutrons, e são objetos muito, muito densos (essencialmente perdendo apenas para buracos negros em densidade). Para ter-se uma ideia, seria preciso contrair o Sol para o tamanho de uma cidade como Recife para obter tamanha densidade. No artigo de hoje, os autores exploram que tipo de estrelas de nêutrons poderiam ter um núcleo composto por um plasma de quarks.

O comportamento da matéria no interior de uma estrela (ou em qualquer outro lugar) pode ser descrito por uma equação de estado. Essa equação relaciona variáveis descrevendo o estado da matéria, como pressão, volume e temperatura (PV=nRT, a equação do gás ideal, é um exemplo de equação de estado que você talvez se lembre dos tempos da escola). Os autores do artigo de hoje desenvolveram um conjunto de equações de estado que descrevem diferentes tipos de estrelas de nêutrons; a relação entre densidade de energia e pressão para essas equações é mostrada na Figura 1.

Figura 1: pressão em função da densidade de energia para possíveis estrelas de nêutrons. A cor está relacionada à velocidade da luz no material da estrela, que é um indicador do quão provável é a existência desse tipo de estrela. O azul escuro indica estrelas de nêutrons mais prováveis. As linhas pretas são extrapolações para altas e baixas densidades. A linha roxa na parte inferior da figura indica a localização aproximada da transição para matéria de quarks. Figura 2 no artigo.

Por volta de densidades de energia entre 400 e 700 MeV/fm3, há uma mudança no comportamento da curva na Figura 1, com uma mudança de inclinação. Essa densidade é comparável aos valores atingidos no LHC. Acima desses valores mínimos, deve-se ter um plasma de quarks. Os autores encontram que a maioria das estrelas massivas que obedecem à equação de estado estão acima do valor mínimo, e teriam portanto núcleos de quarks. Estrelas menos massivas, com massas entre 1.44 e duas vezes a massa do Sol, estão na região em que a curva muda de comportamento, de modo que o conteúdo dos seus núcleos é incerto.

O que isso significa?

A Figura 2 mostra a relação esperada entre a massa e o raio no núcleo de quarks que resulta de cada equação de estado estudada. Cada ponto é uma equação de estado, e a cor indica o quão provável é que ela ocorra na natureza. De acordo com as previsões do artigo, as estrelas de nêutrons mais massivas que observamos podem conter núcleos de quarks!

Figura 2: a massa do núcleo de quarks em função do raio do núcleo. Os núcleos mais massivos apresentam um maior raio. A imagem à esquerda representa uma estrela de nêutrons com um núcleo de 12 km, e um núcleo de quarks cujo raio estimado é 6.5 km. Figura 1 no artigo.

Embora o campo de ondas gravitacionais seja bem jovem, o LIGO já detectou pelo menos um evento de fusão de estrelas de nêutrons (um segundo candidato foi detectado há apenas algumas semanas!). Fusões de estrelas de nêutrons são particularmente fascinantes porque podem ser observadas tanto em ondas gravitacionais, quanto no espectro eletromagnético a que estamos acostumados. Em particular, a fusão de estrelas com núcleos de quark pode resultar em uma onda de choque característica, proveniente da interface da matéria nuclear com a matéria de quarks, que tem o potencial de ser observada em sinais de ondas gravitacionais.

Conforme avançamos na detecção de ondas gravitacionais, precisamos também avançar no campo teórico para compreender o que observamos. Com estudos como o artigo de hoje e as observações do LIGO, chegaremos mais perto de compreender a natureza misteriosa desses núcleos de quarks.


Adaptado de A Strange Type of Matter May Lie at the Heart of Neutron Stars, escrito por Bryanne McDonough

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