Autores: Michael Sori and Ali Bramson
Instituição do primeiro autor: Lunar and Planetary Laboratory, University of Arizona
Status: Published in Geophysical Research Letters [acesso fechado]
Já faz vários anos que se tem conhecimento que Marte tinha uma abundância de água líquida em sua história inicial, a qual alguns cientistas acreditam ter sido removida através de um cenário extremo de aquecimento global. Em 2017, a Mars Reconnaissance Orbiter encontrou evidências de depósitos de gelo de água sob os pólos de Marte. Logo em seguida, em 2018, a sonda Mars Express encontrou, usando radar, evidências de líquido sob o gelo. A água líquida requer altas pressões e temperaturas que acredita-se não serem possíveis em Marte atualmente, o que levou os autores deste trabalho a supor que o aquecimento profundo sob o pólo sul de Marte é responsável pela fusão do gelo.
Aumentando o calor: quanto é preciso para derreter o sal?

Dissolver sais na água iminui o ponto de fusão, sendo por esta razão que ao colocar sal em uma calçada congelada derrete o gelo. Enquanto a temperatura da superfície de de Marte, em torno de -111 ° C), é muito fria para derreter o gelo puro, o gelo salgado derrete mais facilmente. Os autores do artigo propõem que o gelo sob o pólo sul é bastante salgado e aquecido por baixo por um mecanismo ainda não descoberto, criando uma pequena poça de água líquida.
Para testar essa hipótese, eles realizaram simulações de condução térmica sob a calota de gelo do pólo sul, modelando como cada camada de Marte transmite calor para a superfície. Esses modelos assumiram diferentes concentrações de cada sal e concentrações de poeira dentro do gelo. Os objetivos dessas simulações foram 1) determinar quanto aquecimento seria necessário para derreter as calotas polares e 2) determinar o que poderia causar esse tipo de aquecimento.
A Figura 1a mostra a temperatura do gelo versus profundidade para diferentes valores de fluxo de calor (Q) e para diferentes composições de poeira. As linhas verticais são o ponto de fusão para cada tipo de sal, mostrando que a única situação em que o gelo aquece o suficiente para derreter a 1,5 km abaixo da superfície é Q = 90 mW / m², dissolvendo sais de cálcio ou magnésio. A Figura 1b mostra o fluxo de calor (Q) necessário para derreter o gelo dependendo da concentração de sal, o que mostra que as concentrações de sal acima de 55% não afetam mais o fluxo de calor necessário.
Quente demais para manusear?
Os autores descobriram depois de executar seus modelos que a menor quantidade de fluxo de calor necessária nas condições mais favoráveis é Q = 72 mW / m². Para referência, Marte tem um aquecimento global médio de Q = 19 mW / m² e o aquecimento máximo é de Q = 25 mW / m2, então é difícil produzir um aquecimento quase três vezes maior. Na Terra, houve observações de aquecimento acima de 200 mW / m2 sob a Antártica, mas isso é causado pela atividade tectônica da Terra, enquanto Marte é tectonicamente inativo. Entretanto, um possível mecanismo para gerar o calor necessário e derreter o gelo é através de fluxos de magma sob o pólo sul.
Os autores propõem então uma câmara de magma mostrada na figura 2a, que seria uma pequena bolsa de magma localizada logo abaixo do pólo sul. A Figura 2b mostra o aquecimento de câmaras de magma de diferentes profundidades e tamanhos, indicando que uma câmara de magma de 8 km de profundidade e 5 km de largura que se formou há cerca de 300.000 anos pode causar um aquecimento de 72 mW / m2 e derreter a calota polar.
A teoria da história geológica de Marte mostra que os fluxos de lava eram bastante comuns há bilhões de anos, mas não são encontrados hoje. Existe alguma evidência de cratera de bolsões de magma que existiam há aproximadamente 5 milhões de anos atrás, mas os autores reconhecem a incerteza sobre esses resultados.

Inesperado ou irracional?
Os autores concluem que o gelo salgado teria sido capaz de se derreter na água observada pelo radar se uma câmara magmática tivesse se formado sob a calota polar do pólo sul há algumas centenas de milhares de anos atrás. Eles acrescentam que existem duas alternativas possíveis para explicar esses resultados.
A primeira é que seus modelos são incompletos ou fazem suposições incorretas. Modelos sempre podem ser projetados para usar mais poder de computação ou considerar mais variáveis, mas os autores descobriram que adicionar mais termos à sua equação de condução de calor dificilmente altera os resultados. Além disso, eles concluem que a diferença entre o fluxo de calor máximo de Q = 25 mW / m² e o fluxo de calor mínimo necessário de Q = 72 mW / m² é muito grande para ser explicada por erros de modelagem.
A segunda possibilidade é uma interpretação incorreta dos dados do radar. O radar identificou uma região sob o pólo sul, onde a permissividade elétrica é alta, o que significa que algo está conduzindo eletricidade melhor do que o esperado. A água é a causa natural mais provável para gerar a alta permissividade, mas é possível que outros minerais ali localizados possam causar a mesma permissividade; ainda não se sabe o que esses minerais podem ser.
O artigo conclui que, embora uma camada magmática a 1.5 km abaixo da camada de gelo do pólo sul de Marte, como existia há 300 mil anos atrás, seja improvável na teoria geológica atual de Marte, ela ainda é a melhor teoria para explicar a água detectada pela Mars Express. Se os autores estiverem corretos, isso representaria uma grande mudança na teoria do magmatismo e geologia de Marte. Independentemente disso, os autores incentivam mais análises de radar e modelagem de acompanhamento desse fenômeno.
Original em inglês: Recent Magma Heating Might Explain Water on Mars por Will Saunders