Podemos estudar formação estelar escutando colisões de buracos negros?

Título: Measuring the star formation rate with gravitational waves from binary black holes

Autores: Salvatore Vitale & Will M. Farr

Instituição do primeiro autor: LIGO, Massachusetts Institute of Technology, EUA; Kavli Institute for Astrophysics and Space Research, Massachusetts Institute of Technology, EUA

Status: submetido ao arXiv [acesso aberto]

Nossa primeira detecção de ondas gravitacionais com o LIGO revolucionou a astronomia. Pela primeira vez, fomos capazes de não apenas observar o Universo, mas também “ouvi-lo” de certa forma. Até agora, escutamos colisões dos remanescentes de estrelas massivas: buracos negros e estrelas de nêutrons. Os dados resultantes tiveram implicações em diversos campos, da relatividade geral à nucleossíntese. O artigo de hoje propõe uma nova aplicação para detecções da fusão de buracos negros. Os autores argumentam que, se sabemos com que frequência buracos negros colidem, deveríamos ser capazes de determinar com que frequência estrelas que produzem esses buracos negros se formam.

Formação estelar e a morte de buracos negros

A taxa de formação estelar em uma galáxia é uma informação crucial para interpretar seu brilho. Diferentes galáxias que se formaram ao mesmo tempo terão taxas similares, mas, conforme o Universo evolui, a taxa de formação estelar muda. Nos estágios primordiais do Universo, estrelas ainda não tinham tido tempo para formarem-se. No outro extremo, depois que a formação estelar ocorre em uma galáxia por um certo tempo, a taxa de formação decai devido aos processos que ejetam o gás necessário para formar as estrelas da galáxia. A Figura 1 mostra que a taxa de formação estelar teve um pico em torno de redshit z=2 (cerca de 10 bilhões de anos atrás), mas também demonstra que temos significativamente menos dados para redshifts mais altos (passado mais distante). Parte da dificuldade em medir a taxa de formação estelar em alto redshit é a quantidade de poeira entre nós e essas galáxias. Ondas gravitacionais, contudo, não são afetadas por poeira; sendo assim, os autores do artigo de hoje argumentam que há vantagem em utilizar ondas gravitacionais para sondar o universo primordial.

Figura 1: taxa de formação estelar em função do redshit medido no ultravioleta (topo, à direita) e infra-vermelho (painel inferior, à direita). Os dados provêm de mapeamentos anteriores. Cores distintas correspondem a diferentes projetos de mapeamento. Figura 9 em Madau & Dickinson (2014).

É claro que, só porque uma estrela se formou, não significa que ela dará origem a um buraco negro que passará por um processo de fusão. Esses eventos são relativamente raros. Os autores citam cálculos que sugerem que apenas 10000 eventos de fusão ocorrem no Universo inteiro por ano. Além disso, esse fim cataclísmico leva um certo tempo para concretizar-se. Caracterizar essa quantia de tempo, que depende da evolução das estrelas e do decaimento da órbita, é um desafio razoável. Os autores consideram portanto diferentes funções de probabilidade descrevendo quão provável é que um evento de fusão ocorra em diferentes redshifts, como mostra a Figura 2. Usando essa informação, os autores simulam fusões de buracos negros binários para inferir informações sobre a taxa de formação estelar como função do redshift.

Figura 2: distribuições de probabilidade para eventos de fusão de buracos negros binários em função do redshift. A curva “flat in log”considera o caso em que é igualmente provável que uma fusão de buracos negros ocorra em qualquer tempo entre 10 milhões e 10 bilhões de anos após a formação estelar. Figura 1 no artigo.

Resultados

Com os dados simulados de fusões de buracos negros, os autores modelam a taxa de fusão utilizando dois diferentes métodos de ajuste. No primeiro, eles ignoram informações disponíveis sobre a taxa de formação estelar e simplesmente criam funções para descrevê-la em função do redshift. No segundo método, eles usam a mesma forma funcional que gerou os dados e tentam extrair os parâmetros originais da taxa de formação estelar e tempo de decaimento (tempo que leva para os buracos negros fundirem desde que as estrelas que os originaram se formaram). Ambos métodos descrevem com sucesso os dados simulados, com o segundo método recuperando quase todos os parâmetros dentro de um desvio-padrão (Fig. 3). Nota-se que o ajuste piora para altos redshifts, parcialmente porque há menos eventos (houve menos tempo para estrelas formarem-se e morrerem), mas também porque os dados simulados apenas permitiram que fusão ocorresse após 100 milhões de anos para poupar esforço computacional.

Figura 3: taxa de fusão como função do redshift. Linhas tracejadas são os resultados simulados, enquanto a linha sólida é um ajuste. A área colorida ao redor das linhas representa um (escuro) ou dois (claro) desvios-padrão. A curva “Prompt” corresponde a um modelos simplificado assumindo que os buracos negros se fundem instantaneamente após a formação. Figura 2 no artigo.

Um ponto chave no artigo de hoje é que essas precisas estimativas de parâmetros da taxa de formação estelar utilizaram um quantidade de dados que poderia ter sido coletada em apenas um mês. Os autores admitem que utilizaram um modelo bastante simples para a taxa de formação estelar (ignorando, por exemplo, a dependência com massa), mas eles estão confiantes de que uma quantidade maior de dados permitiria assumir modelos mais detalhados. Isso pode ser acessível em um futuro próximo, com novos detectores de ondas gravitacionais como o Einstein Telescope e o Cosmic Explorer. Esses detectores com extrema precisão poderiam detectar fusões de buracos negros em mais altos redshifts, mas eles ainda estão em estágio de desenvolvimento. Ainda assim, com o grande sucesso do LIGO, investimentos na detecção de ondas gravitacionais são quase garantidos. Ondas gravitacionais ofereceram uma nova forma de estudar o Universo, e o artigo de hoje é um bom exemplo de que astrônomos estão preparados para utilizar esses dados de diversas formas.


Baseado no artigo We cannot see stars form but we can hear black holes collide, por Avery Schiff.

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