Lenticulares: um grupo de galáxias híbridas

Título: SDSS-IV MaNGA: The Formation Sequence of S0 Galaxies

Autores: Amelia Fraser-McKelvie, Alfonso Aragón-Salamanca, Michael Merrifield, Martha Tabor, Mariangela Bernardi, Niv Drory, Taniya Parikh, Maria Argudo-Fernández

Instituição do primeiro autor: School of Physics & Astronomy, University of Nottingham, Reino Unido

Status: Aceito para publicação no MNRAS, acesso aberto no arxiv.

 

O elo entre as elípticas e as espirais

Em 1926, o astrônomo Edwin Hubble publicou um trabalho em que classificava as galáxias por seus tipos morfológicos. Essa classificação é ainda muito utilizada, e é conhecida como classificação de Hubble, onde as galáxias são separadas em elípticas em um lado e espirais (que possuem disco) de outro (ver Fig. 1). Conhecido também como “garfo de Hubble”, o esquema coloca as galáxias lenticulares entre os dois grupos. Por possuírem um bojo e um disco, mas não braços espirais, são pensadas como galáxias híbridas, com características de espirais e elípticas. São também chamadas de S0 por não apresentarem braços espirais.

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Figura 1: Classificação de Hubble. Galáxias elípticas ficam à esquerda, e conforme aumenta a elipticidade (ficam menos redondas) a classificação se move para a direita até as lenticulares, que possuem bojo elíptico e também disco. Então a classificação se divide para as galáxias espirais à direita, separando as normais (acima) das barradas (abaixo). Da direita para a esquerda se classifica a concentração espacial dos braços, com as com braços mais abertos no extremo direito. As irregulares, com formatos excêntricos, ficam a parte desta classificação.

As galáxias lenticulares (Fig. 2) têm então um papel importante no estudo de evolução de galáxias. Apesar de terem disco assim como as espirais, possuem pouca ou nenhuma quantidade de gás, o que implica em sua incapacidade de formar muitas estrelas. Isso faz com que a população de estrelas nessas galáxias sejam mais velhas do que em galáxias espirais, característica importante em galáxias elípticas. Uma das teorias que busca explicar a evolução dessas galáxias diz que elas se formam de galáxias espirais, que ou usam todo seu gás pra formar estrelas e já não possuem mais gás, ou então o gás é expulso de alguma forma. Mecanismos que poderiam causar isso incluem pressão de arraste, estrangulamento, entre outros.

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Figura 2: NGC 4866, um exemplo de galáxia lenticular. Apesar de pouco gás, essas galáxias podem apresentar bastante poeira, como se vê ans faixas escuras próximas ao centro de NGC 4866, nessa imagem feita pelo Telescópio Espacial Hubble. (Créditos: NASA/ESA)

Mas essa teoria não consegue explicar certas características do bojo de algumas galáxias lenticulares, como sua massa ser bem maior que a do disco. Na verdade acredita-se que exista uma subdivisão dentro das galáxias lenticulares: um grupo que apresenta bojos mais massivos que discos, que possuem alta luminosidade, e outro com bojos pequenos em galáxias menos luminosas. Uma das possibilidades dessa discrepância é a ocorrência de interações e fusões no histórico evolutivo do primeiro grupo de galáxias, fazendo com que a acreção de matéria de outras galáxias aumente a massa do bojo.

Bojo e disco guardam o segredo

Os autores do artigo de hoje resolveram testar essas hipóteses utilizando a grande base de dados chamada MaNGA survey. Montado no telescópio Apache Point Observatory, nos EUA, este catálogo de galáxias próximas planeja observar 10 mil objetos até o fim do projeto. Mas o diferencial deste projeto é o fato de ser realizado utilizando o que se chama de espectroscopia de campo integral, método através do qual imagens de galáxias são obtidas ao longo de diferentes comprimentos de onda, criando um “cubo de dados”, com informação espacial em duas dimensões e espectral na terceira dimensão. Isso permite criar imagens da galáxia em diferentes cores, e disponibiliza outras potentes ferramentas.

Selecionando apenas as lenticulares, os autores utilizaram uma amostra de 279 galáxias no estudo. Através de medidas de índices de Lick de linhas de hidrogênio, ferro e magnésio, os autores conseguiram derivar as idades e metalicidades das galáxias. Na Fig. 3 vemos a dependência desses dois parâmetros em relação à massa da galáxia, para o bojo e para o disco em separado. Vemos uma clara separação de dois grupos: bojos e discos que apresentam baixa metalicidade, população estelar mais jovem e baixa massa de um lado, e de outro componentes que apresentam alta massa e metalicidade, com estrelas mais velhas. Claramente existem dois tipos de galáxias lenticulares!

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Figura 3: Gráfico da metalicidade (eixo x) contra a idade (eixo y) para a amostra de galáxias lenticulares. Bojo (painel à esquerda) e disco (painel à direita) foram analisados em separado. A escala de cor mostra a dependência em massa, como as galáxias menos massivas em azul, e as mais massivas em amarelo/verde. Contornos mostram curvas de densidade de pontos, e apresentam comportamento bimodal, com dois grupos bem definidos, melhor visualizados pela separação feita pela linha tracejada. Adaptação da figura 5 do artigo.

Os autores compararam a diferença de idade entre os componentes pra cada galáxia, individualmente. O que se encontra é que galáxias no canto superior direito da Fig. 3 (alta massa) apresentam bojos mais velhos que seus discos. Isso indica que a formação estelar nessas galáxias ocorreu mais rapidamente nos bojos do que nos discos, o que favorece o cenário de cessão de formação estelar de dentro para fora na galáxia, com regiões do disco ainda formando estrelas em taxas mais altas que no bojo. Essa formação rápida e com alta massa do bojo pode ser ligada a ocorrência de fusões no passado, com uma grande quantidade de matéria sendo acretada em pouco tempo.

Já para as galáxias no canto esquerdo inferior da Fig. 3 (baixa massa) temos o contrário: população mais jovem no bojo e mais velha no disco. Isso pode indicar que gás foi adicionado ao bojo através de interação com galáxias menores, que são ricas em gás. Ou ainda que o gás do disco foi retirado por efeitos gravitacionais com outras galáxias (esse cenário é desfavorecido, pois não há sinais de correlação com ambientes mais densos, como aglomerados). De qualquer forma, é certo que esses dois grupos de lenticulares passaram por processos evolutivos diferentes, e isso pode falar muito sobre como evoluem as outras galáxias, visto que lenticulares agrega um pouquinho delas em si.

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