Rodando e saindo da sequência principal

Título: Extended Main Sequence Turnoffs in Open Clusters as Seen by Gaia: I. NGC 2818 and the Role of Stellar Rotation

Autores: N. Bastian, S. Kamann, I. Cabrera-Ziri, C. Georgy, S. Ekström, C. Charbonnel, M. de Juan Ovelar, C. Usher

Instituição do primeiro autor: Astrophysics Research Institute, Liverpool John Moores University, Liverpool (Reino Unido)

Status: No prelo da revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society [acesso aberto no arXiv]

O artigo de hoje examina o fenômeno da saída estendida da sequência principal (em inglês: extended main sequence turn-off, ou eMSTO) em um aglomerado aberto galático: NGC 2818. Para isso, os autores usam dados do Gaia DR2 e dados arquivados de espectroscopia do VLT/FLAMES.

Removendo a confusão de fundo

Vamos primeiro descompactar o acrônimo, eMSTO, antes de mergulhar nos novos resultados. Lembra-se do bom e velho diagrama de Hertzsprung-Russel (HR)? A sequência principal (SP) é uma banda distinta de estrelas que aparecem no diagrama HR. Estrelas evoluem para fora da sequência principal quado elas gastam todo hidrogênio em seu núcleo e o ponto em que isso ocorre é chamado de saída da sequência principal (ou main sequence turn-off). Se olharmos no diagrama HR de um aglomerado estelar, assumindo que todas as estrelas nasceram mais ou menos ao mesmo tempo, as estrelas mais massivas saem da sequência principal à medida que o aglomerado envelhece. Isso nos fornece uma maneira de estimar a idade de um aglomerado simplesmente olhando o ponto de saída da SP. Se por um acaso encontrarmos um diagrama HR onde nenhuma estrela do tipo O está presente na sequência principal mas várias dos tipos B até M ainda estão, então sabemos que o aglomerado é bastante jovem.

E isso é tudo sobre a saída da sequência principal, mas e essa tal saída estendida? Um eMSTO é um aspecto observacional onde a saída da sequência principal é mais estendida do que o esperado para uma população simples de estrelas. Um exemplo é mostrado na Fig. 1.

Figura 1. Um diagrama de cor-magnitude (CMD) para um aglomerado estelar com um eMSTO. Note a dispersão de pontos onde as linhas pretas curvam em (B-R) ~ 1. Para uma população estelar simples, essa faixa seria muito mais estreita.

A questão agora é: o que está por trás desse efeito? Uma dispersão real nas idades de estrelas em um aglomerado é uma das sugestões para explicar eMSTO. Outra sugestão está na relação entre a espessura de uma eMSTO e a massa do aglomerado: mais espessa para aglomerados mais massivos. No entanto, também há evidências observacionais de que a rotação estelar está relacionada com a posição de uma estrela na saída da sequência principal. Está a explicação mais plausível de acordo com o artigo de hoje.

Uma eMSTO no nosso quintal cósmico

Casos de eMSTO foram previamente estudados principalmente em aglomerados jovens e massivos nas Nuvens de Magalhães (galáxias satélite da Via Láctea). Desta vez, os autores do artigo de hoje estudaram um aglomerado aberto galático (ou seja, dentro da Via Láctea) que exibe esse fenômeno.

Um aglomerado aberto é um grupo de estrelas que se formaram da mesma nuvem de gás progenitora, possuem mais ou menos a mesma idade, e são ligadas gravitacionalmente de maneira não muito intensa. Mais de mil aglomerados abertos já foram descobertos na Via Láctea. NGC 2818 é um aglomerado com uma massa relativamente baixa (~2400 Msol), e com 800 milhões de anos. Usando medidas de movimento próprio e paralaxe obtidos com Gaia DR2, os autores selecionaram uma amostra limpa de membros do aglomerado. Isso é particularmente importante porque estrelas em aglomerados galáticos são mais brilhantes que aglomerados nas Nuvens de Magalhães, permitindo estudos mais detalhados. Além disso, eles também permitem estudos em ambientes com metalicidade diferente das Nuvens de Magalhães.

A Fig. 2 mostra o mapa de movimento próprio de todas as estrelas perto do centro de NGC 2818, construído usando dados do Gaia DR2. Cortes em paralaxe foram aplicados para a seleção final de membros do aglomerado, mas nós podemos claramente notar a região densa de estrelas pertencentes ao aglomerado. O diagrama de cor-magnitude de membros exibe uma saída estendida da sequência principal em 14,5 mag.

Figura 2. Painel superior esquerdo: Movimento próprio de todas estrelas dentro de 15’ do centro de NGC 2818 (note a alta densidade de pontos de pontos pertencentes ao aglomerado). Superior direito: Distribuição espacial de estrelas. Inferior esquerdo: Distribuição das paralaxes. Inferior direito: Diagrama de cor-magnitude. Nos últimos três paineis, estrelas em vermelho são membros do aglomerado NGC 2818.

Medindo as velocidades rotacionais

Dados de espectroscopia em resolução média de estrelas dentro e na saída da sequência principal em NGC 2818 estão disponíveis publicamente. Os autores compararam espectros sintéticos (produzidos por modelos) e observados para medir a velocidade de rotação de estrelas do aglomerado. Na Fig. 3 o diagrama de cor-magnitude é plotado novamente junto com as velocidades radiais, onde símbolos em amarelo representam as estrelas que rotacionam rapidamente e aquelas em azul escuro são as que rotacionam lentamente. Podemos ver nessa figura que as estrelas com rotação rápida são localizadas principalmente no lado vermelho (estrelas menos quentes) da MSTO, enquanto que as de rotação lenta são mais próximas do lado azul (estrelas mais quentes). A rotação afeta as cores das estrelas e a mistura rotacional de material dentro das estrelas traz mais combustível para dentro do núcleo, estendendo a duração da sequência principal.

Figura 3. Diagrama de cor-magnitude de NGC 2818 contendo as velocidades radiais de cada estrela em uma escala de cor. As estrelas que rotacionam mais lentamente tendem a ficar no lado azul da eMSTO, enquanto que as que rotacionam rapidamente tendem a ficar do lado vermelho.

Em conclusão

Essas observações são consistentes com as previsões de modelos teóricos de aglomerados que incluem rotação, os quais sugerem que a rotação é a provável causa do fenômeno de eMSTO.

O Gaia DR2 nos proporcionou a habilidade de selecionar amostras extremamente limpas de estrelas-membro de aglomerados abertos, o que é bastante promissor. De fato, este artigo é o primeiro em uma série de publicações que vão estudar vários aglomerados abertos disponíveis no lançamento de dados do Gaia, então fique ligado para mais resultados interessantes.


Texto baseado no post Spinning Away From the Main Sequence, de autoria de Sanjana Curtis no Astrobites.

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