Observações multi-mensageiro de um blazar em erupção coincidente com um neutrino IceCube

Título: Multi-messenger observations of a flaring blazar coincident with high-energy neutrino IceCube-170922A

Autores: As colaborações IceCube, Fermi-LAT, MAGIC, AGILE, ASAS-SN, HAWC, H.E.S.S., INTEGRAL, Kanata, Kiso, Kapteyn, Liverpool Telescope, Subaru, Swift/NuSTAR, VERITAS, e VLA/17B-403

Status: Publicado na revista Science [acesso aberto]

A primeira detecção de neutrinos astrofísicos ocorreu em 2013, por meio de um detector localizado no pólo sul da Terra chamado IceCube Neutrino Observatory. Essa descoberta inspirou diversos esforços para identificar as origens dos neutrinos astrofísicos, que resultam de eventos de altíssima energia por todo universo, como supernovae e erupções. Para ajudar esse tipo de estudo, vários times de diferentes instrumentos criaram uma rede de notificações que alertaria astrônomos em tempo real quando possíveis eventos astrofísicos de alta energia acontecessem. A ideia é obter uma detecção do tipo “multi-mensageiro,” na qual o neutrino é detectado pelo IceCube ao mesmo tempo que se observa uma contrapartida eletromagnética com um telescópio. Até setembro de 2017, nove detecções de neutrino acionaram os alertas em tempo real, mas nenhuma foi do tipo multi-mensageiro.

Esse tabu se manteve até o dia 22 de setembro de 2017, quando um neutrino astrofísico de alta energia (IC170922) cruzou através de um cubo de gelo na Antártida. No entanto, diferente dos muitos milhões de seus companheiros que passaram diretamente pelo gelo e saíram do outro lado da Terra, IC170922 acabou colidindo com um núcleo atômico perto dos detectores do IceCube. Essa interação produziu uma partícula carregada secundária, um múon, que por sua vez criou um cone de radiação Cherenkov (uma luz azul que é produzida quando uma partícula se move mais rapidamente que a velocidade da luz naquele meio) — o análogo eletromagnético de uma onda de choque. A radiação Cherenkov desencadeou a rede de tubos fotomultiplicadores do IceCube (veja Fig. 1), e uma rápida análise automática dos dados mostrou que era característica de um neutrino múon. Como a radiação Cherenkov traça o caminho do múon, e o múon segue um caminho similar ao neutrino, a origem do neutrino pôde ser determinada em um fragmento de um grau quadrado do céu austral.

Figura 1. Representação da rede de tubos fotomultiplicadores que foram desencadeados pelo múon e o caminho que ele seguiu através do detector. As cores indicam o tempo relativo em que os fótons Cherenkov foram detectados, com vermelho sendo mais cedo e azul mais tarde. Os tamanhos relativos dos círculos indicam o fluxo da radiação Cherenkov em escala logarítmica. Crédito: Colaboração IceCube

Dentro de apenas 43 segundos após a detecção do neutrino no gelo antártico, dados preliminares contendo estimativas iniciais da energia e direção do neutrino foram transmitidas do pólo sul e distribuídas para diversos observatórios astrofísicos pelo mundo e no espaço através das redes Astrophysical Multi-Messenger Observatory Network (AMON) e Gamma-Ray Coordinates Network (GCN). Isso desencadeou uma série de observações; a linha do tempo de relatórios de detecção dos telescópios envolvidos é mostrada na Fig. 2 abaixo.

Figura 2. A linha do tempo de relatórios públicos indicando a detecção de erupção no blazar TXS 0506+056 em associação com o neutrino IC170922. Crédito: Colaboração

O alerta do IceCube ativou uma resposta automática do Neil Gehrels Swift Observatory, um telescópio espacial operado pela NASA. Um mosaico produzido pelo Swift na região indicada pela IceCube resultou em nove fontes de raios-X consistentes com a localização do neutrino IC170922, um dos quais era o blazar TXS 0506+056. Um blazar é um buraco negro supermassivo localizado no centro de uma galáxia e que possui material caindo no buraco negro, criando um disco de acreção. Jatos relativísticos são expelidos dos pólos do buraco negro, produzindo radiação e partículas de alta energia; no caso de TXS 0506+056 um de seus jatos está apontado aproximadamente para nós. Nos dias subsequentes este blazar foi observado em estado de erupção por observatórios de raios gama na Terra e no espaço. Dados obtidos pelo telescópio espacial Fermi-LAT, que realiza varreduras em todo o céu diariamente, mostram que TXS 0506+056 havia se tornado 6 vezes mais brilhante em raios gama antes do evento em 22 de setembro. Mais observações abrangendo vários comprimentos de onda desde raios gama até rádio confirmaram que o blazar, localizado em uma galáxia gigante elíptica a aproximadamente 4 bilhões de anos luz de nós, estava em estado de erupção. Particularmente, o telescópio MAGIC (Major Atmospheric Gamma Imaging Cherenkov telescope), localizado nas Ilhas Canárias, fez observações de acompanhamento em 4 de outubro e detectou raios gama com ainda mais energia vindo da mesma direção que o neutrino e TX 0506+056, sua primeira detecção desse tipo.

Figura 3. Esquerda: imagem em raios gama (1-300 GeV) do blazar TXS 0506+056 produzido pelo Fermi-LAT. Direita: Significância do sinal para raios gama de altíssima energia (> 90 GeV) detectados por MAGIC para TXS 0506+056. Os círculos cinza e vermelho indicam a extensão da localização do neutrino com 50 e 90% de confiança, respectivamente.

Todas essas observações apontam para a conclusão de que TXS 0506+056 é uma das fontes mais luminosas e energéticas do universo, e teria então energia o suficiente para criar e acelerar neutrinos de alta energia. Além disso, entre o fim de setembro e o início de outubro de 2017, TXS 0506+056 estava passando por um intenso período de erupções, produzindo raios gama de altíssima energia que talvez sejam oriundos dos mesmos processos que produziram o neutrino IC170922. Mas temos que ter cuidado para não tirar conclusões precipitadas. Apesar de todas as evidências apontarem para o blazar TXS 0506+056 ser a fonte do IC170922, isso não indica que uma detecção multi-mensageiro foi efetivamente feita. Vejamos o porquê.

Blazares frequentemente estão em erupção, é isso que eles gostam de fazer. Então a questão relevante é não apenas “Quão energético é esse blazar e ele pode produzir o IC170922?” mas também “Qual é a chance de a posição de um neutrino de altíssima energia coincidir com um blazar em erupção aleatoriamente?”. Ou seja, qual é a probabilidade de a erupção TXS 0506+056 e o neutrino IC170922 serem na verdade não-relacionados? Os autores do artigo dizem que uma coincidência do neutrino com o blazar é desfavorecida em um nível de 3-sigma em qualquer modelo no qual a produção de neutrinos é linearmente correlacionada com a atividade em raios gama. Isso significa que essa coincidência ocorre apenas 0,3% do tempo. Apesar de convincente, uma significância de 3-sigma não atinge exatamente o valor que a maioria dos astrofísicos consideram necessário para dizer que TXS 0506+056 foi uma contrapartida eletromagnética de IC170922. Mais observações de blazares em erupção coincidentes com neutrinos de alta energia são necessárias para estabelecer uma conexão certa entre os dois fenômenos, e para entender os mecanismos de emissão e aceleração de neutrinos nesse cenário.

Astrônomos do mundo todo estão esperando pelos próximos alertas de neutrinos de alta energia e vão manter vigília sobre blazares em erupção, mas mesmo se nós determinarmos se blazares são realmente a origem dos neutrinos energéticos do IceCube, esse não seria o fim da história! Um estudo anterior comparando observações da população de blazares em raios gama usando o Fermi-LAT com os neutrinos de alta energia do IceCube determinou que esses blazares podem produzir apenas uma parte do fluxo astrofísico de neutrinos acima de 10 TeV. Isso significa que devem haver outros aceleradores de partículas poderosos se escondendo pelo universo. Certamente ainda há muitas observações multi-mensageiro no horizonte, e esperamos que o futuro continue brilhante em neutrinos!


Nota: Este texto é baseado no post Multi-messenger observations of a flaring blazar coincident with an IceCube neutrino, de autoria de Aaron Tohuvavohu no blog Astrobites.

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