Força em números: um jeito mais esperto de encontrar mundos habitáveis

Artigo: A statistical comparative planetology approach to the hunt for habitable exoplanets and life beyond the Solar System

Autores: Jacob L. Bean, Dorian S. Abbot e Eliza M.-R. Kempton [veja nota abaixo]

Instituição do primeiro autor: Department of Astronomy & Astrophysics, University of Chicago

Status: Publicado no Astrophysical Journal Letters, acesso aberto no arXiv

O telescópio espacial LUVOIR vai estar na fronteira da pesquisa em habitabilidade de exoplanetas. Crédito: Goddard Space Flight Center/NASA

A descoberta do primeiro exoplaneta orbitando uma estrela da sequência principal em 1995 atraiu muita atenção à procura de vida além do Sistema Solar e, desde então, conseguimos encontrar milhares de planetas extrassolares. Como humanos, nosso primeiro instinto é varrer essa grande amostra para encontrar os melhores candidatos para abrigar vida (como TRAPPIST-1 e Proxima b), e então diligentemente caracterizá-los para checar se eles realmente são habitáveis. Mas esse processo é muito custoso e até agora não deu resultados satisfatórios. E se tivessem outros jeitos mais efetivos de se responder esta Grande Pergunta?

O problema com o método da ciência de sistemas

Pesquisadores já estão planejando e desenhando telescópios espaciais cujo principal objetivo é a procura de ambientes habitáveis em exoplanetas, tais como LUVOIR e HabEx. Esses instrumentos carregam o peso de um mundo sobre si mesmos. De acordo com os autores do artigo de hoje, nós não podemos simplesmente deixar que a caracterização detalhada de exoplanetas se limite a um punhado de candidatos promissores; para podermos efetivamente responder a Grande Pergunta, nós precisamos adotar um método estatístico.

Verificar se um exoplaneta é habitável ou não vai muito além de simplesmente determinar a sua posição relativa à estrela: a ideia é baseada em uma combinação entre inferência empírica e modelos teóricos. O que os autores chamam de método de ciência de sistemas tem como objetivo identificar tais planetas e fazer afirmações sobre a possibilidade de que eles possuam vida.

O problema com essa estratégia é que ela exige muitos recursos (observacionais e computacionais) para produzir respostas robustas. No fim, ela talvez nem mesmo revele uma assinatura definitiva de vida na pequena amostra de candidatos a planetas habitáveis!

Lições de Kepler e seus amigos

Inspirado por pesquisas realizadas com dados do telescópio espacial Kepler, J. Bean e colaboradores propõem o método de planetologia comparativa estatística. A sua premissa está em utilizar a diversidade de planetas em grandes amostras para obter informações sobre suas características baseadas em estudos comparativos. Esse método já foi aplicado com sucesso para identificar taxas de falsos-positivos em dados do Kepler, bem como estudar o conteúdo de água em exoplanetas. Estes resultados são robustos no fato de que eles dependem apenas de modelos físicos simples, e permitem a identificação de anomalias que revelam possíveis fraquezas de modelos.

Um dos exemplos que os autores descrevem no artigo de hoje tem como objetivo testar o conceito de zona habitável usando abundâncias de dióxido de carbono. Planetas que recebem mais irradiação de suas estrelas precisam de menos CO2 para manter temperaturas confortáveis através do efeito estufa, enquanto que aqueles que recebem menos irradiação precisam de mais dióxido de carbono. A ideia deste teste é medir o conteúdo de CO2 em planetas dentro de zonas habitáveis e ver se ele é compatível com a quantidade esperada para planetas com temperaturas confortáveis (veja a figura abaixo). Essas medidas não precisam ser extremamente precisas já que as incertezas das propriedades físicas dos planetas são compensadas pelo tamanho da amostra.

O conceito de zona habitável (curva azul) assume uma quantidade decrescente de CO2 (eixo y) à medida que a irradiação estelar (eixo x) sobe. Os pontos pretos representam planetas hipotéticos deslocados da curva azul baseados em na inferência estatística de suas incertezas esperadas. O conceito de zona habitável pode ser testado se nós pudermos realizar esse tipo de análise em massa em grandes amostras de planetas.

Um teste similar pode ser feito no conteúdo de água de planetas potencialmente habitáveis: se eles estiverem próximos à borda interna da zona habitável, eles devem ter perdido toda sua água devido ao efeito estufa desenfreado, enquanto que aqueles próximos à borda externa da zona deve ter pouca água porque ela se congelou. Qualquer desvio desse comportamento significa que nós não entendemos habitabilidade completamente. Novamente, esse teste não exige muita precisão, mas requer uma grande amostra de planetas.

Os autores deixam claro que o método estatístico não é o único ou melhor método de estudar habitabilidade. Por exemplo, esse método ainda exige análises detalhadas de alguns poucos planetas para identificar diagnósticos-chave para habitabilidade, e é limitado a planetas em torno de estrelas anãs vermelhas, que são estrelas mais fáceis de se detectar exoplanetas em zonas habitáveis. De qualquer modo, a planetologia comparativa ainda parece um jeito muito pragmático de contornar o desconhecido e progredir no esforço de responder a Grande Pergunta.


Nota 1: esse post foi originalmente publicado por mim no blog Astrobites.

Nota 2: o primeiro autor do artigo de hoje, Jacob L. Bean, foi meu orientador em 2016, mas eu não estou de forma alguma envolvido com esta publicação em particular.

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