A relação entre núcleos ativos e suas galáxias

Artigo: Supermassive black holes in disk-dominated galaxies outgrow their bulges and co-evolve with their host galaxies

Autores: B. D. Simmons, R. J. Smethurst e C. Lintott

Instituição do primeiro autor: Center for Astrophysics and Space Sciences (CASS), Department of Physics, University of California, San Diego, EUA

Status: Aceito para publicação pelo MNRAS [acesso aberto no arXiv]

Um dos tópicos de maior interesse na astrofísica e cosmologia moderna é a conexão entre galáxias e os buracos negros supermassivos (SMBHs, do inglês SuperMassive Black Holes) que se encontram em seus centros. SMBHs são os principais componentes do que chamamos de núcleos ativos de galáxias (AGNs, do inglês Active Galactic Nuclei), regiões compactas nos centros das galáxias responsáveis pelas maiores luminosidades em objetos astronômicos. Ao acretar matéria, advinda de gás ou estrelas, o SMBH cria ao seu redor um disco de acreção, que devido às suas propriedades físicas de alta densidade e temperatura, emite intenso brilho e radiação (para quem já assistiu Interstellar, deve se lembrar do disco de acreção presente no filme). Para uma maior revisão sobre AGNs, recomendamos a visita ao guia do nosso irmão Astrobites: Guide to Classification of Galaxies and AGNs (em inglês).

Em dois artigos clássicos da área no ano de 2000 (Ferrarese & Merritt e Gebhardt et al.), dois grupos de astrônomos encontraram, independentemente, uma relação entre a massa do SMBH no centro das galáxias e características físicas do bojo das galáxias, como a dispersão de velocidades e a massa (Fig. 1). Bojos de galáxias são estruturas compactas formadas por estrelas, com morfologia tipo esferoide. Galáxias elípticas são caracterizadas por seus bojos como estrutura principal, enquanto as galáxias espirais (como a nossa Via Láctea) são formadas por um bojo no centro e um disco que se estende às partes externas da galáxia. A descoberta de 2000 indica que o SMBH e as galáxias hospedeiras compartem informação, e co-evoluem juntos, com galáxias que apresentam maior massa do bojo tendo em seus núcleos SMBHs de maior massa. Nos anos seguintes, no entanto, evidências sugeriram que essa co-evolução ocorre apenas em galáxias dominadas por bojos, como as elípticas, e não nas dominadas por discos, como as espirais. Como acredita-se que as galáxias dominadas por bojos são originadas em interações de pares de galáxias, as chamadas fusões de galáxias, levanta-se a hipótese de que a relação entre o bojo e o SMBH é, na verdade, o resultado dessas fusões.

Msigma
Fig. 1: Relação entre a massa do SMBH e a dispersão de velocidades do bojo (a chamada relação M x σ). Cada ponto no gráfico representa uma galáxia. Se observa uma clara relação: bojos que apresentam maior dispersão de velocidades hospedam SMBHs mais massivos. (Gráfico originado do artigo McConnell & Ma 2013)

Neste trabalho, aqui apresentado, os autores propõem o estudo de galáxias dominadas por um disco, como as espirais, para atacar essa questão, na procura pela relação entre o SMBH e o bojo também nesta classe de galáxias. Foi selecionada uma amostra de 101 galáxias hospedeiras de AGN e dominadas por um disco, que não passaram por fusões com outras galáxias. Foram utilizado então dados do survey astronômico SDSS e do telescópio INT, para estimar as massas tanto do bojo quanto do SMBH dessas galáxias.

Medindo as massas do bojo e SMBH

Medir de forma correta as massas do bojo e do SMBH é bastante complicado, como sugerem as barras de erro na Fig. 1. Para o bojo, foi utilizada uma conhecida relação entre a massa de estrelas e suas luminosidades nas bandas u e r. Porém, antes disso, foi necessária a remoção da luminosidade do AGN, através de um modelo do perfil de luminosidade. O brilho de um AGN se concentra na região mais central da galáxia, enquanto o bojo tem maior extensão, e essa correção acaba por introduzir incertezas na medida, devido à dificuldade em separar o brilho de cada componente.

Já a massa do SMBH foi medida usando uma relação entre a massa e a luminosidade e largura da linha de emissão do Hidrogênio de Hα, que como característica marcante apresenta grande largura em AGNs. Após medir a chamada componente larga de Hα nos espectros do SDSS e INT, a massa do SMBH foi estimada com a devida propagação de incertezas das relações utilizadas.

Buraco negros e galáxias hospedeiras

Após medir as massas, os autores então apresentam a Fig. 2. No painel esquerdo, em que se apresenta a relação da massa do bojo com a massa do SMBH, os pontos pretos e azuis representam cada galáxia da amostra estudada, enquanto as setas indicam que os valores são limites superiores, ou seja, o valor real pode ser menor (na direção da seta). A razão por não conseguirem medir o valor real da massa do bojo, mas apenas o limite superior, é a dificuldade em separar o brilho do AGN e o brilho do bojo, como mencionado acima. Os pontos vermelhos mostram a relação utilizando apenas galáxias dominadas por bojos, como as elípticas, de um estudo anterior (Häring & Rix 2004). Como se vê, a relação bem definida observada nas elípticas não é compartilhada pelas espirais, já que o caso mais otimista (utilizando os limites superiores como medidas reais) não apresenta o mesmo ajuste. Os autores argumentam que, apesar de esse fato parecer concordar com a hipótese de que fusões são as responsáveis pelo aumento de massa tanto do bojo quanto do SMBH, a amostra estudada aqui apresenta massas de SMBH bastante altas (até alguns bilhões de massas solares), o que não é esperado para galáxias que não sofreram fusão. Logo pode ocorrer outro mecanismo de crescimento do SMBH, como instabilidades no disco.

fig2
Fig. 2: Painel esquerdo: relação entre a massa do bojo e a massa do SMBH. Pontos pretos e azuis representam as galáxias deste estudo. Setas indicam limites superiores para a massa do bojo. A linha preta continua indica o ajuste desses pontos, considerando os limites superiores, enquanto que a região sombreada indica a incerteza no ajuste. Visivelmente esse ajuste não é satisfatório, logo foi feito o ajuste representado pela linha pontilhada, considerando que os limites superiores sejam medidas corretas. Em comparação, os pontos vermelhos representam galáxias dominadas por bojos, e a linha tracejada indica o ajuste para essas galáxias (Häring & Rix 2004). Painel direito: relação entre a massa total das galáxias e a massa do SMBH. Neste caso, o ajuste está em acordo com o ajuste feito para galáxias elípticas.

Já no painel direito a coisa muda um pouco de figura. Em vez de comparar a massa do bojo com a massa do SMBH, se usa a massa total da galáxia na comparação com o SMBH. O melhor ajuste, representado pela linha preta, é consistente com a linha tracejada, que representa a relação em galáxias dominadas por bojo. Isso indica que a relação entre as galáxias e seus SMBHs acontece tanto nas dominadas por bojos quanto nas por discos, e os diferentes mecanismos que originam essas estruturas, como as fusões (no caso de bojos) e evolução secular (processos lentos, como a presença de barras e braços espirais, no caso de discos), não são exclusivos geradores do aumento de massa.

Ainda há muito o que aprender sobre a evolução das galáxias e seus AGNs, mas este resultado indica que a relação entre a galáxia e o SMBH não é dependente de apenas um mecanismo evolutivo nas galáxias, adicionando mais pano pra manga nessa discussão.

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