Título original: Could a Kilonova Kill: a Threat Assessment
Autores: Haille M. L. Perkins, John Ellis, Brian D. Fields, Dieter H. Hartmann, Zhenghai Liu, Gail C. McLaughlin, Rebecca Surman, Xilu Wang
Instituição do primeiro autor: University of Illinois Urbana-Champaign
Status: Acesso livre no ArXiV.
Afinal, o que é uma kilonova?
Quando uma estrela de nêutrons colide com outra estrela de nêutrons — formando assim um sistema binário de estrela de nêutrons (SBEN) — ou com um buraco negro (ENBN), a explosão resultante deste processo é muito violenta e brilhante, como vocês podem imaginar. Esta explosão produz um sinal óptico, conhecido como kilonova. Por sua vez, a kilonova pode ser interpretada de diferentes maneiras, de acordo com o comprimento de onda: através uma curta explosão de raios-gama (cERG ou sGRB, do inglês short gamma-ray burst) na faixa dos raios-gama, bem como um sinal de onda gravitacional na faixa espectral do rádio, ou mesmo partículas extremamente energéticas tais quais raios cósmicos. Logo, as kilonovas são objetos que podem ser detectadas por meio de vários “mensageiros” diferentes, se tratando, portanto, da primeira fonte astrofísica multimensageira real. Elas também são a única fonte conhecida do processo r de nucleossíntese — em outras palavras, é o único processo nuclear capaz de produzir os elementos mais pesados da tabela periódica, a exemplo de ouro, os Lantanídeos e os Actinídeos. Além disso, kilonovas são excelentes laboratório de Física fundamental, impondo limites restritivos sobre uma possível violação da invariância de Lorentz. Por fim, notamos também que kilonovas também foram assunto central de vários astropontos no passado, incluindo este, este e este. A quem interessar possa, confiram também este astrobite (em inglês) apresentando um guia de objetos transientes em Astronomia, com destaque para a única kilonova bem estudada até o momento: o evento GW170817A. O artigo de hoje explora os riscos que kilonovas podem trazer para a Terra. Em particular, o artigo caracteriza como raios-gama, raios-x e raios cósmicos das kilonovas podem trazer impactos prejudiciais à camada de ozônio terrestre. Os autores deste artigo também fornecem uma medida da “distância de risco” para cada fonte de radiação da kilonova, ou seja, uma medida da distância mínima que uma kilonova deve estar de nós a fim de causar depleção de ozônio significativa em nossa atmosfera.

Quando um sistema binário de estrela de nêutrons SBEN (ou um sistema ENBN) colide, a explosão resultante constitui um evento bastante complexo que, dependendo de como é observado, emite uma combinação de raios-x, raios-gama, raios cósmicos, nêutrons e material ejetado diretamente do centro do sistema. O painel esquerdo da Figura 1 do artigo mostra a anatomia deste evento, evidenciando as diferentes fontes de emissão da colisão ao longo do passar do tempo. O painel direito da Figura 2, contudo, mostra o que ocorre milhares de anos após essa explosão. Neste caso, a onda de choque emitida da colisão acaba “varrendo” o material interestelar ao seu redor, criando assim uma espécie de bolha neste meio interestelar. Este material continua a se espalhar conforme o tempo, sempre se distanciando da localização original da colisão original.
Cálculo dos riscos
A fim de calcular o risco representado por cada aspecto da kilonova, os autores calculam a quantidade total de energia que a Terra receberia em certas bandas específicas do espectro radiativo, ao longo do curso de quatro anos. Foi estimado que, após quatro anos, a camada de ozônio é capaz de se recuperar de um dano como este, de uma kilonova. Eles também estimaram que ~30% de depleção da camada de ozônio resultaria em danos à atmosfera que poderia levar à extinção da espécie humana. Deste modo, os autores deste artigo definam a “distância de risco” como a distância mínima da Terra que o sistema em questão deve estar, a fim de que a camada de ozônio receba energia suficiente para causar esta depleção de ~30% centro de um intervalo de tempo de 4 anos.
Fonte de risco: o jato
Algo característico em curtas explosões de raios-gama, tais quais tipicamente produzidas em colisões de SBENs e ENBNs, consiste na presença de fótons de altíssimas energias, no comprimento de onda dos raios-gama, lançados para a região exterior da colisão em forma de jato. Jatos de cERG, conforme observado em eventos como a GW170817A, duram geralmente 2 segundos, emitindo um total de energia de 10^46-10^51 ergs (relacionem isso à luminosidade do Sol e da Via Láctea, para vocês terem noção da escala de energia em questão). Se este cERG estivesse apontado diretamente para a Terra, a distância de risco ficaria entre 1 e 300 parsecs — ou seja, entre 3 e 1000 anos-luz, respectivo e aproximadamente. Uma modelagem mais detalhada do jato da GW 170817A sugere uma distância de risco de 200 pc (~700 anos-luz). A fim de contextualizar, uma esfera centrada sob uma distância de 300 pc da Terra incluiria tão apenas as estrelas mais próximas daqui. Mesmo a estrela de nêutrons mais próxima a nós — o evento RX J1856.5-3754, por exemplo — encontra-se a 400 pc de distância. Até hoje, todas as kilonovas detectadas sequer aconteceram na nossa galáxia — a mais próxima delas foi localizada a ~10 megaparsecs daqui, o que corresponde à uma distância cinco ordens de magnitude maior do que a distância de risco calculada neste artigo.
Porém, como o jato encontra-se tão fortemente confinado a uma única direção, esta distância de risco diminui drasticamente em função do ângulo entre a Terra e o jato. O artigo encontra que, ao alinhar a Terra à ~6 graus do jato, a distância de risco decai para 40 pc, enquanto que para um ângulo de ~10 graus, esta distância de risco é desprezível. Logo, o jato representa um risco ínfimo à nossa camada de ozônio, a menos que o jato esteja precisamente apontado na nossa direção — e mesmo assim, outros aspectos da kilonova podem ser mais perigosos do que ele.
Fontes de risco: Raios-x, Raios-gama e Raios Cósmicos
Ao passo que os fótons do jato colidem e excitam a matéria ao seu redor, esta matéria torna-se energizada e emite uma espécie de “arrebol” na região espectral dos raios-x. Este arrebol de Raios-X pode também apresentar algum risco à atmosfera terrerstre. Maioria dos raios-X emitidos apresentam energia entre 3 e 10 kev, onde kev = kilo elétron-volt, a unidade de medida da carga do elétron. Assim, os autores também encontraram uma dependência angular em função da direção do jato, obtendo uma distância de risco de ~12 pc na direção do jato. Raios-gama também são emitidos pelo processo r e pelo espalhamento de fótons do cERG pelo material ao seu redor. Contudo, estes raios-gamma apresentam uma distância de risco de apenas ~4 pc. Como o espalhamento dos fótons do jato do cERG também depende do ângulo em relação ao jato, esta distância de risco também decai substancialmente em função do ângulo de visada.
A última fonte de risco considerada pelos autores deste artigo é a emissão de raios cósmicos milhares de anos após a colisão. Afinal, o material ejetado por este evento cria uma espécie de onda de choque que se espalha pelo meio interestelar diretamente em sua volta. O objeto remanescente após a colisão é similar a uma Supernova, portanto, é esperado que ele produza raios cósmicos por vários séculos e milênios após esse evento. Assim que a bolha desta hipotética kilonova próxima se expande até a exata localização da Terra, estes raios cósmicos podem atingir a nossa atmosfera, representando então uma outra fonte de risco à camada de ozônio. Os autores encontraram, neste caso, uma distância de risco de ~11 pc para que a emissão destes raios cósmicos possa levar a uma depleção de ~30% de seu valor original — o limite imposto para uma possível extinção em massa na Terra como consequência deste processo. Além disso, os autores notam que esses raios cósmicos só atingiriam a Terra milênios após a detecção dos fótons das kilonova.
O veredito? Estamos provavelmente seguros!
Agora que os autores exploraram os possíveis perigos de uma kilonova representados para a Terra, eles também comentam se devemos esperar que alguns destes riscos influenciam nossa vida na Terra. Ao modelar o número de sistemas estelares que podem formar SBENs e ENBNs, podemos estimar a taxa esperada de ocorrência de uma kilonova na nossa galáxia. Os autores encontraram que, mesmo nas mais elevadas distâncias de riscos (~11 pc) da emissão de raios cósmicos da sistema, a probabilidade de que uma kilonova possa acontecer dentro de um raio de 11 pc de distância da Terra é extremamente baixa. Na verdade, como estas colisões são tão incomuns, a taxa média entre sucessivas kilonovas dentro dessa distância até a Terra é algo em torno de 500 vezes o intervalo de tempo transcorrido desde o Big Bang! Assim, os autores concluem que estas colisões que criam kilonovas são muito improváveis de influenciar nossa vida na Terra diretamente. Portanto, o risco representado por uma Supernova é muito maior, pelo simples fato delas serem eventos mais frequentes.
Por fim, o risco representado à vida humana por uma kilonova é provavelmente muito, mas muito baixo. Porém, é interessante considerar o risco que pode ser causado à nossa “civilização tecnológica”. Afinal, tempestades de íons na atmosfera, causados por explosões repentinas de raios-gama, podem levar a danos sérios à nossa rede elétrica, atingindo assim a nossa rede de telecomunicações. Ainda assim, esse tipo de tempestade tem muito maior probabilidade de ser ocasionado por ventos solares, onde casos como o Evento Carrington seriam capazes de criar danos muito maiores à nossa estrutura elétrica moderna. Enquanto isso, estamos trabalhando arduamente para construir e aprimorar a nossa infraestrutura de escudos espaciais de proteção à tempestades solares!
Astrobite original escrito por Karthik Yadavalli e editado por Keighley Rockcliffe
Créditos da imagem de apresentação: ESO/L. Calçada/M. Kornmesser + Editado on Microsoft Word
