Título: The NANOGrav 15-year Data Set: Evidence for a Gravitational-Wave Background
Autores: The NANOGrav Collaboration
Status: Publicado no The Astrophysical Journal Letters, acesso livre
Ondas gravitacionais se tornaram uma parte cada vez mais essencial da pesquisa em Astrofísica. Elas foram medidas indiretamente, pela primeira vez, pelos seus efeitos no período orbital do famoso objeto PSR1913+16, também conhecido popularmente como o pulsar Hulse-Taylor, nos anos 1970s. Quarenta anos depois, a colaboração do Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory (LIGO) e Virgo detectaram diretamente um sinal de onda gravitacional da fração de segundo anterior à colisão de dois buracos negros de massa estelar. Desde então, interferômetros terrestres (incluindo o LIGO, Virgo e KAGRA – conhecidos como LVK) já catalogaram dúzias destes eventos, assim inaugurando o campo de astronomia de ondas gravitacionais.
Ainda que detecções do LVK possam nos dizer muito sobre as populações de buracos negros de massa estelar (como pode ser conferido neste astrobite, em inglês), elas estão limitadas a eventos de ondas gravitacionais em uma banda específica de comprimentos de onda. Isto é equivalente a observar o Universo na luz visível, porém sem acesso ao infravermelho, micro-ondas, raios-X, rádio etc. Logo, a fim de obter acesso a ondas gravitacionais em frequências mais baixas, colaboradores ao redor do mundo se voltaram para uma técnica chamada Pulsar timing arrays (PTAs), conforme vamos explicar agora.
Um PTA consiste em um detector de ondas gravitacionais do tamanho de uma galáxia, formado por uma coleção de pulsares. Quando uma onda gravitacional passa entre a Terra e essa rede de pulsares, o espaço-tempo é esticado e contraído. Isto faz com que os pulsos emitidos por esses objetos, que são geralmente extremamente precisos (alguns deles medidos com precisão de 10^{-18} segundos!), possam apresentar algum atraso ou adianto, permitindo assim que os astrônomos infiram a passagem (ou não) de uma onda gravitacional. No dia 29 de Junho de 2023, a colaboração North American Nanohertz Observatory for Gravitational Waves (NANOGrav), em conjunto com outros PTAs ao redor do mundo, anunciaram uma forte evidência da detecção de um fundo de ondas gravitacionais de baixa frequência (na região dos nanohertz, nHz) em seus dados, expandindo ainda mais as fronteiras da astronomia de ondas gravitacionais.
Os dados de 15 anos do NANOGrav
PTAs exigem paciência – muita, na verdade. Ondas gravitacionais na frequência dos nHz podem aparecer neste detector de duas maneiras: como uma fonte individual, tal como um sistema binário de buracos negros supermassivos (SBBNS), ou como um fundo estocástico (estatisticamente aleatório) provindo da soma de vários sinais de ondas gravitacionais no Universo de fontes diversas. Estas ondas têm períodos na ordem de anos ou décadas; portanto, a fim de encontrá-las, precisamos observar o período de pulsos de pulsares por escalas de tempos similares. Os dados mais recentes do NANOGrav contêm 15 anos destas observações.

NANOGrav atualmente monitoria mais de 80 pulsares que giram mais de 100 vezes por segundo – sendo assim chamados de pulsares de milissegundos (PMS); 68 deles figuram na amostra de dados compilados por 15 anos. Observá-los regularmente – ao menos uma vez a cada 3-4 semanas – exige o uso de vários telescópios. Por isso, estes dados contêm observações do Green Bank Telescope (GBT), do Arecibo Observatory (que infelizmente desabou no final de 2020), além do Very Large Array (VLA).
Entendendo a correlação Hellings e Downs

Um fundo de onda gravitacional causa desvios no tempo de chegada dos pulsos destes PMSs, levando já em consideração a mudança sazonal da distância entre a Terra e estes objetos. Calcular o espectro de potência destes desvios de tempo dá a amplitude deste fundo em cada frequência, mas outras fontes de ruído podem também contaminar este sinal. Contudo, algo importante a ser notado é que o atraso entre os pulsos de um par de pulsares apresenta uma correlação que pode ser descrita em termos da separação angular do céu entre ambos os objetos. Esta relação é conhecida como a correlação de Hellings e Downs (CHD, ver este astrobite em inglês sobre esse assunto). Nenhuma outra fonte de ruído conhecida pode imitar esse padrão, sendo esse o motivo pelo qual a busca por estas correlações tem sido o cálice sagrado dos experimentos de PTA. O lançamento de dados anterior do NANOGrav (ver este astrobite sobre ele, em inglês) foi capaz de encontrar um espectro de potência do tipo lei de potências também, tal como esperado pelo modelo mais simples de fundo de ondas gravitacionais. Contudo, havia ainda pouca evidência do sinal da CHD.
Nestes dados mais recentes, NANOGrav novamente observa o espectro de potência com esta forma característica (Figura 2), porém, dessa vez, encontraram forte evidência para a curva característica da CHD (Figura 3), indicando assim uma forte evidência a favor da existência de um fundo estocástico de ondas gravitacionais em nanohertz. O tempo adicional de observações, em conjunto com outros pulsares na coleção do PTA, permitiu que o experimento se tornasse mais sensível às ondas gravitacionais, encontrando portanto a evidência para a CHD pela primeira vez. Este feito abre um campo totalmente novo a ser explorados pelos astrofísicos – afinal, pela primeira vez, somos capazes de ouvir as notas de baixo da sinfonia de ondas gravitacionais do cosmos!

Física nova ou clássica?
Ok, agora temos uma incrível evidência a favor da existência de um fundo de ondas gravitacionais. Mas o que estaria produzindo ele? Existem vários modelos teóricos sobre esse assunto, então o NANOGrav analisou rigorosamente os seus dados a fim de verificar quais são os modelos favorecidos.
Uma fonte candidata primária deste fundo de ondas gravitacionais consiste na população de sistemas binários de buracos negros supermassivos (SBBNS). Eles emitem ondas gravitacionais em nanohertz enquanto orbitam ao redor um do outro, levando eles a espiralar; porém, sua emissão não parece ser suficiente para levá-los de fato a colidir dentro da escala de tempo, digamos, da idade do Universo (aproximadamente 13.8 Giga-anos). Este é conhecido como o problema do último parsec. Mas como observamos buracos negros supermassivos individualmente em centros galácticos, então, devem haver outros processos que podem levá-los a colidir, tais como interações com o disco de gás ao seu redor, ou mesmo interações com outras estrelas próximas. Ao comparar simulações de SBBNS interagindo com os ambientes em sua volta e emitindo ondas gravitacionais com dados de PTA, podemos aprender sobre como esses SBBNS se formam e como galáxias evoluem. O NANOGrav encontrou que estas simulações poderiam recriar o sinal de fundo em seus dados mais recentes, porém, será necessário mais trabalho a fim de restringir parâmetros e modelos astrofísicos com maior precisão

O NANOGrav também buscou SBBNS individuais. Um SBBNS relativamente próximo criaria um sinal de maior amplitude do que este fundo em uma frequência específica, o que poderia ser detectado e comparado, portanto, com um candidato a SBBNS por observações eletromagnéticas. Estas observações multi-mensageiras nos ensinariam muito sobre a população de SBBNS do Universo, pois permitiriam restringir, por exemplo, a razão entre a massa da galáxia e a massa do buraco negro, bem como uma maior compreensão de processos de acreção. Mesmo que não tenhamos evidência de sistemas binários individuais nestes dados, o NANOGrav determinou que nenhum SBBNS com massa de gorjeio (a massa conjunta dos objetos que compõem o sistema binário) igual a 1 bilhão de vezes a massa do Sol será detectado a mais de 10 Megaparsecs da Terra – aproximadamente 32.6 milhões de anos-luz.
Uma explicação alternativa para este sinal consiste no que chamamos de “física além do modelo padrão” (FAMP – tradução livre de BSM, do inglês “beyond the standard model”). Estes modelos teóricos introduzem novos conceitos na física, na tentativa de unificar o modelo padrão de física de partículas com a teoria da relatividade geral, criando assim uma espécie de “teoria de tudo“. Diferentes fenômenos previstos por modelos de FAMP poderiam criar ondas gravitacionais de nHz, incluindo cordas cósmicas, transições de fase de primeira ordem, e ondas gravitacionais oriundas do Universo primordial, por exemplo. O NANOGrav encontrou que este sinal de fundo de ondas gravitacionais poderia de fato ser explicado por estes modelos, bem como uma combinação entre os modelos de SBBNS e FAMP.
Mais análises e compilação de dados são necessárias para distinguir entre estas possíveis fontes. Para isso, será necessário medir o quão isotrópico (ou seja, estatisticamente semelhante em todas as direções possíveis) este sinal de fato parece. Um modelo de FAMP criaria um fundo isotrópico com a mesma potência em todas as direções, porém, um fundo de ondas gravitacionais de natureza astrofísica violaria esta isotropia, uma vez que devemos ter um número discreto de SBBNs no Universo. O NANOGrav ainda não encontrou qualquer evidência a favor, e nem contra, a isotropia (ou anisotropia) deste fundo ainda.
Uma nova era na Astronomia de ondas gravitacionais
Pela primeira vez, temos uma evidência estatisticamente significativa das tão esperadas correlações de Hellings e Downs previstas por um fundo estocástico de ondas gravitacionais. Ainda assim, há muito ainda a aprender. Felizmente, o NANOGrav não está sozinho nesta busca de detecções de ondas gravitacionais de baixa frequência – e de encontrar evidência para sua existência.
Há ainda quatro colaborações que anunciaram seus dados mais recentes no dia 29 de Junho: o Parkes Pulsar Timing Array (PPTA); o European Pulsar Timing Array (EPTA, que também inclui dados do Indian Pulsar Timing Array, InPTA); e o Chinese Pulsar Timing Array (CPTA). Tal como o NANOGrav, todos eles encontraram evidências favoráveis à detecção deste fundo de ondas gravitacionais – em maior ou menor grau, dependendo do caso. Porém, o fato de todos estes PTAs terem chegado a conclusões semelhantes, mesmo utilizando diferentes telescópios, pulsares e técnicas de análises, indica algo animador: estamos apenas começando a explorar uma nova era na Astronomia – a era da Astronomia de ondas gravitacionais!
Adaptado do astrobite original “Drop the Bass: Evidence for a Gravitational Wave Background from a Galaxy-sized Detector”, escrito por Lucas Brown, Graham Doskoch, William Lamb, Phia Morton, Brent Shapiro-Albert, Haley Wahl e editado por Jenny Calahan, Huei Sears, Briley Lewis.

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