Uma nova receita para campos magnéticos de estrelas de nêutrons

Título: On the Origin of Pulsar and Magnetar Magnetic Fields

Autores: Christopher J. White, Adam Burrows, Matthew S. B. Coleman, David Vartanyan

Instituição do primeiro autor: Department of Astrophysical Sciences, Princeton University, Princeton, NJ, 08544, USA

Status:  Submetido ao ApJ [acesso aberto arXiv]

Campos magnéticos na superfície de uma estrela de nêutrons pode alcançar quase um quadrilão de vezes o campo da Terra – isso é um seguido de quinze zeros. Se você estivesse numa estrela de nêutrons, a perda das informações do seu cartão de crédito por conta do campo magnético seria o menor dos problemas. Um campo magnético dessa magnitude, mesmo no vácuo a luz é refratada e dividida em matéria e antimatéria.

Então como esses campos magnéticos podem ficaram tão fortes?

Preparando o núcleo de uma estrela de nêutrons

Primeiro, vamos revisar como as estrelas de nêutrons se formam. Resumindo, estrelas de nêutron são remanescentes da morte de estrelas velhas e massivas. Quando uma estrela da sequência principal (tipicamente entre 8 a 25 massas solares) esgotam o combustível para a fusão no núcleo, este núcleo torna-se degenerado, que significa que por conta da pressão de degenerescência o núcleo fica impedido de colapsar.

No entanto, à medida que matéria se acumula sob o núcleo degenerado até que se exceda o limite de Chandrasekhar, o núcleo se contrai e aquece até bilhões de kelvin, forçando elétrons e prótons a combinar e formar nêutrons, liberando uma cascata de neutrinos ultra-energéticos no processo. O núcleo dessa “proto-neutron star” (PNS) continua contraindo até chegar na densidade de um núcleo atômico. Enquanto isso, as regiões externas da estrela original “ricocheteiam” do núcleo e são expulsas pelos neutrinos emitidos, resultando numa violenta explosão da estrela via colapso do núcleo (supernova). Quando a poeira assenta, o que sobra é a estrela de nêutrons.

Então, como esse processo está relacionado a campos magnéticos extremos? Uma explicação é que o número de linhas de campo magnético saindo da superfície da PNS deve ficar fixos para que as linhas de campo se juntem e amplifiquem o campo total. Porém, esse modelo falha ao capturar a dicotomia entre pulsares de rádio – estrelas de nêutrons com campo magnético relativamente baixo (tipicamente entre 1011 e 1013 vezes o da Terra) – e magnetars – estrelas de nêutrons de baixa rotação com campos magnéticos super-poderosos (chegando a 1015 vezes o da Terra). A partir disso, os autores do artigo de hoje propuseram um novo caminho para explicar o aumento dos campos dessas estrelas: o efeito dínamo em núcleos em colapso de PNSs.

Mexendo campos magnéticos

Figura 1: Ilustração da ação do efeito dínamo dentro da Terra. O movimento do ferro líquido convectivo no núcleo externo das camadas externas é organizado na forma de bobinas alongadas pela rotação da Terra, portanto produzindo campos magnéticos em grandes escalas. Crédito da imagem: Andrew Z. Colvin (via Wikipedia)

O efeito dínamo é responsável por gerar e manter campos magnéticos de diversos objetos astronômicos, desde jovens proto-estrelas aos gigantes gasosos no nosso sistema solar (veja a Figura 1). Se um corpo astrofísico é preenchido com fluido condutor que está continuamente em convecção (como o ferro líquido no núcleo externo da Terra), a rotação do corpo faz com que as correntes elétricas convectivas se transformem em bobinas alongadas, então produzindo campos magnéticos grandes – esse é o mecanismo fundamental do efeito dínamo.

Podemos quantificar a magnitude de um dínamo convectivo pelo número de Rossby, a razão entre a velocidade da convecção do fluido e a sua rotação; um corpo com pouca rotação e com alta convecção possui número de Rossby alto, enquanto que um corpo com alta rotação e baixa convecção tem número de Rossby baixo. Uma dicotomia natural na intensidade do campo magnético parte de um limiar no valor do número de Rossby: dínamos com número de Rossby abaixo desse limiar tendem a produzir campos dipolares (como o da Terra) que escalam com a intensidade da convecção, enquanto que dínamos acima desse limiar produzem campos mais fracos em multipolos. Como as PNS passam por colapso do núcleo, o efeito dínamo e esse número de Rossby de corte poderiam explicar a diferença entre pulsares e magnetares.

Os autores então utilizaram simulações de PNS sob colapso do núcleo para testar tal hipótese. Com 12 simulações de supernovas cuja progenitora, de massa de 9 a 25 massas solares, não estava em rotação (mais uma simulação de uma progenitora em rotação com 9 M), os autores investigam o poder convectivo e a geometria do fluido o interior de PNSs em desenvolvimento; dessas observações, eles podem inferir a intensidade do campo magnético da estrela de nêutrons resultante.

A figura 2 mostra esse poder convectivo como função do raio para cada uma das simulações sem rotação, demonstrando que a convecção fica mais forte com progenitoras mais massivas. Enquanto que, na Figura 3 mostra a comparação entre a geometria do fluido entre a simulação com a progenitora em rotação versus sem rotação, demonstrando a relativa complexidade do fluido numa PNS em rotação. O fato de que os interiores de PNSs girando são capazes de manter intensa convecção e fluxos complexos no fluido implica que o efeito dínamo em PNSs pode gerar campos magnéticos fortes.

Figura 2: Poder convectivo vs. raio em 12 simulações de supernovas (com progenitoras em rotação) analisado pelos autores. O gradiente de cores representa o tempo desde que a região externa é ricocheteada do núcleo degenerado. Esses gráficos mostram uma tendência geral de aumento na convecção com aumento da massa e do tempo. Créditos: Figura 4 do artigo de hoje.
Figura 3: Complexidade do fluxo (ou em jargão hidrodinâmico, “helicidade cinemática”) próximo à superfície da PNS em simulações com 9 M de progenitora sem rotação(em cima) e com 9 M de progenitora em rotação (abaixo). A PNS na simulação com progenitora em rotação desenvolveu mais extremamente estruturas complexas. Créditos: Figura 11 do artigo.

Completando a receita

Os autores concluem que a convecção nas PNSs podem ter papel fundamental em descrever propriedades de estrelas de nêutrons recém-nascidas. Se a PNS girar suficientemente rápido, então o dínamo garante um dipolo magnético forte que naturalmente reduzirá a velocidade de rotação da estrela em escalas de tempo menores, atribuindo uma rotação baixa e deixando a estrela de nêutrons altamente magnetizada – em outras palavras uma magnetar. Por outro lado, uma PNS com rotação relativamente mais baixa desenvolverá campos magnéticos mais fracos e então mantém a rotação por longo período de tempo – o que explica a formação de pulsares.

Embora as simulações analisadas pelos autores capturem a dinâmica dos fluidos e a física dos neutrinos das supernovas do colapso do núcleo com detalhe, elas estão ignorando um ingrediente importante: os campos magnéticos! Incorporar campos magnéticos a essas simulações altamente sofisticadas é computacionalmente desafiador, mas vale a pena: com simulações 3D totalmente realistas de colapso do núcleo, finalmente seremos capazes de completar a receita para transformar estrelas massivas em estrelas de nêutrons compactas e magnetizadas .

Crédito da imagem em destaque: Figura 1 no artigo de hoje.

Adaptado de A New Recipe for Neutron Star Magnetic Fields, escrito por Ryan Golant.

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