Título: The psychological aspects of a well-known issue
Autores: Ioanna Arka
Instituição do primeiro autor: Institute of Atmospheric Physics, German Aerospace Centre, Alemanha
Status: publicado na Nature Astronomy
Apesar dos números dependerem da área e do país em questão, um fato empírico é que nem todos que obtêm um título de doutor irão permanecer na academia. No Brasil, o número de mestres e doutores formados por ano vem consistentemente crescendo: em 2010, o número de formados era sete vezes maior que há 25 anos. Por outro lado, os investimentos em Ciência e Tecnologia caíram consideravelmente nos últimos anos: o orçamento de 2017 sofreu um corte de 44% em relação ao valor inicial proposto de 6 bilhões. Em 2018, o corte foi de 25% em relação ao valor de 2017. Com a PEC 241, os gastos em ciência poderão ser congelados nesses valores insuficientes pelos próximos 20 anos, de modo que é difícil esperar uma melhora. Não é surpresa, portanto, que muitos doutores não permaneçam na academia. As razões por trás dessa escolha, contudo, nunca haviam sido estudadas até o artigo de hoje.
O artigo discute os resultados de uma pesquisa realizada pelo site Jobs for Astronomers, que busca fornecer informações para astrônomos sobre opções de carreira fora da academia. O site conduziu duas enquetes: uma com 262 astrônomos (145 homens e 117 mulheres) com empregos na academia, e outra com 204 astrônomos (104 homens e 100 mulheres) que já haviam deixado a academia. Representantes de diversos níveis, de doutorado a professor titular, responderam ambas enquetes. Os participantes foram perguntados sobre as razões que os levaram a considerar deixar a academia. Os resultados foram separados de acordo com o gênero declarado pelo participante para que se pudessem analisar como diferentes fatores afetam homens e mulheres.
Isso permitiu notar que, para astrônomos ainda na academia, a principal razão para considerar deixá-la foi bastante diferente entre mulheres e homens (Fig. 1). Enquanto homens preocupam-se principalmente com o fato de muitos contratos serem apenas temporários, levando à incerteza profissional, a família e a saúde mental foram as principais preocupações das mulheres. Quando perguntados sobre razões adicionais, a incerteza foi a resposta prevalente, tendo sido escolhida por mais da metade dos participantes. Não surpreende que essa foi também a principal razão pela qual astrônomos que já deixaram a academia o fizeram (Fig. 2).


Muitos participantes forneceram comentários adicionais. Entre mulheres, um assunto recorrente foi “o problema em ter filhos” – muitas demonstraram receio de que ter filhos afetaria seu progresso na carreira. Infelizmente, pesquisas comprovam que esse medo não é infundado. A dificuldade em manter equilíbrio entre a vida pessoal e profissional foi outro problema bastante citado. Além disso, muitos participantes mostraram preocupação com a maneira com que pesquisadores vêm sendo avaliados, apenas em termos de números e índices de publicação, em vez da qualidade em cada artigo publicado, dado o tempo de pesquisa nele investido.
Entre pós-doutores, cujos contratos são de seis meses a, no máximo, três anos, o sentimento pode ser resumido no comentário de um dos participantes:
“Sou pago para escrever novos projetos de pesquisa buscando outro emprego ou fonte de financiamento, e pedidos de tempo para telescópios. Isso me parece contra-produtivo e um grande desperdício do meu tempo.”
Jovens pesquisadores, como estudantes de doutorado, citaram assédio e bullying por parte de supervisores como uma razão para deixar a academia. Além disso, comentaram que pouco apoio é dado a vítimas de abuso de autoridade, que acabam por colocar sua carreira em risco se denunciarem o ocorrido.
Como podemos melhorar essa situação? Fica claro que o maior problema é a incerteza devido a contratos curtos, que leva também a uma necessidade de mudar de cidade (país e até continente) com frequência, afetando a vida pessoal e os laços familiares. Tudo isso causa, é claro, graves problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão. Segundo os próprios participantes, a possibilidade de contratos mais longos poderia resolver tudo isso. Talvez seja hora de rever a forma como pós-doutorados funcionam.
É importante ressaltar que aqueles que deixaram a academia se mostraram satisfeitos com a mudança na maior parte dos casos (Fig. 3). Caminhos fora da academia devem certamente ser incentivados e considerados. Contudo, o ideal seria que essa mudança ocorresse por opção, e não por falta de oportunidades e de investimentos. Os problemas na academia certamente não são simples de resolver, mas as preocupações de professores, pós-docs e estudantes devem ser ouvidas e levadas em consideração. Só assim será possível construir um ambiente saudável para as futuras gerações, que permita não só o crescimento profissional, mas também pessoal.
