KIC 8462852 – Por que tanto barulho?

Título: Planet Hunters X. KIC 8462852 – Where’s the flux?

Autores: S. Boyajian, D. M. LaCourse, S. A. Rappaport et al.

Instituição do primeiro autor: Department of Astronomy, Yale University, EUA

Status: Publicado no MNRAS [acesso aberto]

Figura 1: quatro anos de monitoramento desta estrela revelam eventos irregulares, quando mais de 20% da luz, ou fluxo da estrela, desaparece. Os números pequenos no topo da figura correspondem aos 17 trimestres das operações primárias do satélite Kepler. O gráfico mostra a fração de luz em relação ao brilho máximo em função do tempo em dias.

Você possivelmente ouviu falar da estrela do artigo de hoje. A estrela WTF (sigla em inglês para “Where’s the flux?”, ou “Onde está o fluxo?”, mas que pode ser interpretada de outra forma…), também informalmente conhecida como “estrela de Tabby”, em referência à primeira autora do artigo, apareceu muito na mídia desde a sua descoberta, com alguns artigos subsequentes aparecendo no arXiv. O astroponto de hoje adapta um artigo composto por vários autores do astrobites, que juntaram seus conhecimentos para fazer uma análise abrangente sobre a estrela KIC 8462852 e o que novas observações poderão revelar.

Uma estrela quase normal

De modo geral, KIC 8462852 é uma estrela normal. É uma entre as mais de 150000 estrelas observadas pelos satélite Kepler durante a sua missão inicial de quatro anos e parece uma típica estrela tipo F, um pouco mais massiva que o nosso Sol. Ela não tem uma estrela companheira perturbando sua órbita e nenhuma atividade magnética afetando sua rotação. Ela foi ignorada por algoritmos que buscam automaticamente por trânsitos de exoplanetas. A única razão pela qual esta estrela destacou-se foram os “Planet Hunters“, ou “Caçadores de Planetas”, um projeto de ciência cidadã que utiliza a capacidade humana para reconhecimento de padrões. Voluntários treinados analisaram dados do Kepler e notaram que KIC 8462852 diminuiu de brilho significativamente cerca de dois anos após o início da missão Kepler, como mostrado na Figura 1. Eles continuaram acompanhando os dados, até que uma enorme fração da luz subitamente desapareceu outra vez, cerca de dois anos depois, mas de uma forma diferente. Essa grande perda de brilho e a forma irregular com que ela acontece fez essa estrela notável.

O que poderia estar bloqueando o fluxo?

Então, o que poderia estar causando esses declives no fluxo? Primeiro, os autores fizeram uma análise cuidadosa do conjunto de dados e eliminaram a possibilidade de quaisquer falhas devidas a raios cósmicos ou falhas na elétrica do instrumento, concluindo que esses declives são de fato “astrofisicamente” reais. Com a ocorrência de falhas eliminada, outra possibilidade é variabilidade estelar inerente, mas a própria forma irregular da curva de luz e outras características da estrela eliminam qualquer tipo conhecido de variabilidade.

Algo mais provável é que aglomerados de poeira estejam orbitando a estrela, espalhando-se em uma área maior que o tamanho de um planeta, de modo que podem bloquear mais luz. Mas de onde viria tanta poeira? Seria necessária poeira suficiente para bloquear até 20% da luz visível da estrela. Os autores sugerem que poeira próximo a estrela poderia ter sido produzida por uma colisão entre planetas, ou pode estar orbitando planetesimais grande, que por sua vez orbitam a estrela. Contudo, esses dois cenários implicariam um sinal infravermelho significativo, que não foi detectado quando WISE e Spitzer observaram o sistema em 2010 e 2015, respectivamente. Finalmente, os autores sugeriram que os declives podem ser causados por pedaços de um cometa gigante, que está se desfazendo conforme se aproxima da estrela. Isso fornece uma explicação para os declives em brilho sem a necessidade de o sistema ser brilhante no infravermelho. Embora o cenário de um cometa pareça ajustar melhor os dados, ainda não é perfeito, e mais observações e modelagem serão necessárias para mostrar que um cometa despedaçando-se pode produzir a curva de luz de KIC 8462852.

Como saberemos?

Agora que temos algumas ideias do que pode estar causando sinal anômalo, a próxima tarefa é eliminar ou confirmar as hipóteses com mais observações. Provavelmente a peça mais importante será um monitoramento de longo prazo para buscar por mais declives em brilho. Isso irá responder várias perguntas para ajudar a determinar a causa do sinal: os declives em brilho são periódicos? O quanto varia a profundidade deles? Eles mudam de forma ou em duração? Eles desaparecem completamente?

Figura 2: desintegração de um cometa no nosso Sistema Solar observada pelo Hubble. Esse cometa, chamado 73P/Schwassmann-Wachmann 3, fragmentou-se espalhando muitos pedaços enquanto mergulhou em direção ao Sol em 2006. Conforme a radiação de uma estrela aquece um cometa, os gelos que o unem sublimam, liberando grandes pedaços de rocha no espaço. Algo similar pode estar acontecendo perto de KIC 8462852.

Descobrir que os declives são periódicos iria acrescentar credibilidade ao cenário da nuvem de poeira, mas a falta de infravermelho ainda seria um problema. Se medirmos informação sobre as cores de declives futuros, isso poderia restringir o tamanho dos grãos de poeira na vizinhança. Por outro lado, se o cenário de um cometa está correto, esperaríamos encontrar declives mais fracos ou mesmo que eles desaparecessem conforme os pedaços do cometa fragmentado se espalham e dissipam, não mais eclipsando a estrela. Há uma estrelinha cerca de 1000 UA distante de KIC 8462852 que pode ter induzido um bombardeio por cometas, então medir o movimento dessa estrela poderia nos dar ideias sobre a periodicidade dessas “chuvas de cometa” próximo a KIC 8462852.

Se observações futuras acabarem por eliminar todas essas hipóteses, o mistério da “estrela WTF” ficará ainda mais estranho.

O alienígena problema que fingimos ignorar

É claro que muito do interesse nesta estrela tem a ver com um artigo subsequente publicado por Wright et al. Eles sugerem uma razão mais esotérica para os grandes decaimentos em fluxo. Nas últimas décadas, alguns astrônomos especularam que civilizações avançadas poderiam construir estruturas tão grandes que iriam bloquear parte da luz de sua estrela. A mais estrema dessas é uma esfera de Dyson, um globo gigante que poderia teoricamente cercar a estrela e coletar sua luz como uma fonte de energia. Mas explicar os declives em fluxo de KIC 8462852 dessa forma não precisa de algo tão dramático. Em vez disso, Wright et al. propõem que vários objetos alienígenas passando em sequência em frente à estrela, com tamanhos distintos, poderiam causar esses declives na luz. Essas chamadas megaestruturas precisariam ser enormes — até cerca de metade do tamanho da estrela. Embora essa explicação seja extremamente especulativa (começando com “suponha que uma civilização alienígena avançada existe”), ela é consistente com as observações, então Wright et al. sugerem buscar por sinais artificias de rádio vindo do sistema. Uma busca inicial resultou em nada, mas buscou apenas por sinais muito fortes. Então o que deve ser feito agora? Mais observações serão feitas, então é questão de esperarmos pela análise de dados! Alienígenas ou não, KIC 8462852 certamente é digna de mais uma espiada.


Original em inglês: KIC 8462852 – What’s the Fuss?, por Erika Nesvold, Meredith Rawls, David Wilson e Michael Zevin.

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