Será que os Mundos Oceânicos são compostos de “fuligem”?

Title: Soot Planets instead of Water Worlds

Autores do artigo original: Jie Li, Edwin A. Bergin, Marc M. Hirschmann, Geoffrey A. Blake, Fred J. Ciesla, and Eliza M.-R. Kempton

Instituição do primeiro autor: Department of Earth and Environmental Sciences, University of Michigan, Ann Arbor, Michigan, USA

Status: Submetido a The Astrophysical Journal Letters [acesso aberto]

É possível que sejam planetas com muita água…

Desde a descoberta de PSR B1257+12 c e d em 1992 e 51 Pegasi b em 1995, encontrou-se evidência da existência de milhares de planetas em outros sistemas solares. Uma das coisas mais surpreendentes (além da descoberta que planetas são aparentemente algo comum) é como muitos deles são completamente diferentes daquilo que esperávamos encontrar. Nossa lista crescente de exoplanetas inclui uma variedade de tipos realmente impressionante: de planetas frios e rochosos menores que a Terra até gigantes de calor escaldante, maiores que Jupiter. Entretanto, uma categoria de planetas é particularmente interessante: os planetas Sub-Netuno. Estes planetas, menores que Netuno, mas maiores que a Terra, são caracterizados por sua baixa densidade; o que sugere que podem ser ricos em água ou que podem possuir uma atmosfera rica em substâncias voláteis. O que torna os Sub-Netunos tão intrigantes é que não temos uma contraparte em nosso Sistema Solar. Dessa forma, não sabemos muito sobre eles, exceto que parecem existir muitos deles lá fora. Apesar de, por vezes, ser teorizado que esses planetas sejam mundos rochosos envoltos em hidrogênio e hélio, alternativamente, eles têm sido considerados como Planetas Oceânicos, isto é, mundos com gigantescos oceanos que se estendem por todo o planeta e que possuem milhares de quilômetros de profundidade. O raciocínio é o seguinte: já que o gelo de água parece ser abundante além da Linha de Gelo, mundos oceânicos seriam uma consequência natural da formação de planetas. E se esse planetas existem, alguns deles talvez possuam um oceano líquido e temperado com condições favoráveis à vida.

… Ou eles podem ser simplesmente CHON

Entretanto, o artigo de hoje sugere que esses supostos mundos oceânicos talvez não sejam tão úmidos quanto imaginávamos. Pelo contrário, eles podem ser ricos em “materiais refratários de carbono e matéria orgânica insolúvel”. Esse é um termo que descreve sólidos ricos em carbono, hidrogênio, oxigênio, e nitrogênio, isto é: CHON. É um bocado de letras, eu sei, e geralmente nós referimos a isso apenas como “fuligem”, mas é importante lembrar que é algo diferente daquela coisa preta que podemos encontrar em churrasqueiras. Fuligem, nesse caso, é um dos principais componentes dos cometas. Sabemos que esse tipo de material encontra-se presente na formação de planetas, visto que poeira protoplanetária contém não apenas silicatos (rocha) e gelo de água, mas também uma quantidade significante de CHON, e cometas são as sobras desta poeira. A fuligem é estável e permanece em estado sólido em temperaturas muito mais elevadas (~500 K) do que o gelo de água pode suportar (~150 K). Desta forma, os autores argumentam que devem existir regiões no disco protoplanetário onde planetas podem agregar tanto rocha quanto fuligem, mas pouquíssima água. Eles definem uma “Linha de Fuligem” (Soot-Line) semelhante à Linha de Gelo e observam três arquétipos de planetas que podem se formar, como demonstrado na Figura 1.

Figura 1: Ilustração de um disco protoplanetário e três tipos de planetas quimicamente distintos que podem se forma a medida que a distância da estrela hospedeira aumenta. Quando próxima, a temperatura no disco é muito alta para que existam substâncias voláteis, mas à maior distância, a temperatura despenca permitindo a água sublimar em gelo além do limite de gelo de água, também conhecido como a Linha de Gelo. Entre essas duas regiões existe uma outra, onde materiais carbonáceos ou “fuligem”, podem sublimar. Então dependendo de onde o planeta se forme, ele pode conter uma quantidade variável de fuligem astrofísica. Adaptado da Figura 1 do artigo de hoje.

Dentro da linha de fuligem, os planetas podem ser mundos ricos em rocha, com baixos níveis de carbono ou teor de água (isto é, planetas rochosos), pois é quente demais para que qualquer fuligem permaneça junta. Entre a linha de fuligem e a Linha de Gelo, encontram-se os mundos rochosos ricos em carbono (planetas de fuligem). Estes possuem baixo teor de água – já que é quente demais para o gelo de água existir –, mas são ricos em CHON. Indo além da Linha de Gelo, a combinação de mundos de rocha/carbono/água torna-se possível, nesse caso chamados de mundos de fuligem-água (soot-water worlds). Os autores destacam que apesar deste último ter uma fração significante de água, é diferente dos mundos oceânicos tradicionais, já que incluí um componente significante de material rico em hidrocarbonetos. Novamente, é importante lembrar que um mundo fuligem não é necessariamente uma bola de pó preto flutuando no espaço, mas um mundo que é composto por bastante CHON, como a lua de Saturno, Titã.

O que dizem os modelos?

Os autores trabalharam em modelos de composição de planetas baseados em observações de discos protoplanetários e na distribuição de materiais sólidos encontrados em cometas.

Eles consideravam dois modelos de planeta. Um deles sendo completamente estratificado, isto é, com um núcleo metálico envolto em um manto de silicato, coberto por uma camada rica em hidrocarbonetos e, por fim, uma camada superficial de gelo de água. O outro, um planeta misto de camada única, trata-se de um cenário hipotético onde ferro, silicato, fuligem, e água encontram-se misturados em todo o planeta, sendo resultado da química exótica das altas temperaturas dentro do planeta sub-Netuno. Espera-se que qualquer planeta real em potencial encontre-se entre esses dois extremos. A relação massa-raio desses modelos pode ser vista na Figura 2, onde também foi comparada a vários exoplanetas conhecidos, muitos dos quais se encontram dentro do espaço de parâmetros do modelo.

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Figura 2: A relação massa-raio para o modelo de planetas rochosos semelhantes a Terra (linha preta), planetas de fuligem (faixa cinza), e mundos de fuligem-água (faixas azuis). À esquerda encontram-se planetas com múltiplas camadas, enquanto que à direita encontram-se os planetas de camada única. Sobreposto a eles, encontram-se vários exoplanetas e as respectivas incertezas que os acompanham. Também, ilustrado em linhas pontilhadas, encontram-se modelos para planetas semelhantes à Terra, contendo 50% rocha e 50% água. Estes se situam diretamente dentro da mesma região que os mundos de água-fuligem, tornando-os indistinguíveis um do outro. Adaptado da Figura 3 no artigo.

 Um resultado especialmente interessante que os autores apontaram foi que a relação massa-raio predita para os mundos oceânicos, que incorporam fuligem, é similar àquela predita anteriormente para um planeta com 50% de água e sem carbono. Isto é, se você basear sua interpretação apenas na relação massa-raio, é impossível distinguir entre um mundo composto de rocha e água e um planeta rico em água que possua uma quantidade significativa de fuligem.

Talvez exista um telescópio que possa ajudar

Como podemos nos desvencilhar desse impasse? Bem, já que é previsto que frações significativas de metano e outros hidrocarbonetos simples sejam liberados de seu interior, os planetas ricos em fuligem podem apresentar atmosferas ricas em metano. Estas, por sua vez, podem naturalmente conduzir à formação de névoas de hidrocarbonetos, similar a Tolinas na atmosfera de Titã.

Observar a atmosfera de exoplanetas é um dos principais objetivos do Telescópio JWST. Muitos dos espectros dos sub-Netunos, até então, mostraram-se indistintos, o que pode indicar a presença de nuvens ou névoa fotoquímica. O telescópio também tem a habilidade de detectar espécies que contenham carbono na atmosfera de outros sub-Netunos, como é o caso com a descoberta de CO2 e CH4 na atmosfera de K2-18b e TOI-270d. Apesar de atualmente estarem orbitando dentro da linha de fuligem de suas respectivas estrelas, sua formação pode ter se dado originalmente à maior distância, ocorrendo uma migração em direção ao centro mais tarde, durante seu processo de evolução. TOI-280d é de especial interesse. Além de também mostrar sinais de água, possui um proporção de carbono-oxigênio que é moderadamente alta para o planeta, o que insinua que esse pode ser um mundo com uma quantidade de fuligem considerável.

A presença de fuligem pode ter implicações significativas em se tratando de habitabilidade. O núcleo do planeta pode ser rico em diamante, o que impediria a movimentação de voláteis em seu manto. Por conta disso seria desafiador para o planeta gerar um campo magnético, deixando, dessa forma, qualquer potencial forma de vida exposta à radiação cósmica. Entretanto, também é possível que sejam abundantes em metano e outros componentes orgânicos voláteis, substâncias consideradas cruciais para o desenvolvimento de química prebiótica. Seja como for, é interessante que exista algo lá fora completamente diferente de qualquer coisa conhecida em nosso Sistema Solar, um Titã enevoado e gigantesco. É improvável que a gélida lua dê sinais de vida, mas um mundo temperado de fuligem-água pode ser um lugar para se olhar no futuro.


Traduzido do astrobite originalAre Water Worlds Just Made of Soot?“, escrito originalmente por Kasper Zoellner.


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