Título: A Test of A New Type of Stellar Interferometer on Sirius (artigo orginal) e Interferometry of the intensity fluctuations in light IV. A test of an intensity interferometer on Sirius A (artigo subsequente com mais detalhes)
Autores: R. Hanbury Brown e R. Q. Twist
Instituição do primeiro autor: Jodrell Bank Experimental Station, University of Manchester, Reino Unido
Status: artigo orginal publicado na Nature em 1956, artigo subsequente publicado nos Proceedings of the Royal Society A em 1958.
Saber o tamanho das estrelas é importante para podermos construir modelos de como elas funcionam, mas é uma medida bem difícil de obter. No artigo de hoje – um clássico da astrofísica! –, dois astrônomos desenvolveram uma maneira inovadora de medir diretamente o diâmetro de uma estrela da sequência principal pela primeira vez. Essa técnica também se tornou importante para vários outros ramos da física!
Qual o tamanho dessa estrela?
Se você sabe a distância entre você e um objeto, pode usar o diâmetro angular – o ângulo que você (ou seu telescópio) precisa girar para mover-se de uma borda à outra – e um pouco de trigonometria para calcular o tamanho do objeto, como ilustrado na Figura 1.

A distância até uma estrela pode ser obtida por meio de paralaxe, mas e o diâmetro angular? Se você já olhou através de um telescópio, pode ter notado planetas mudando de um aparente ponto de luz para um disco com um tamanho angular perceptível, mas as estrelas continuam parecendo apenas pontos.
Por causa de um efeito físico chamado difração, existe um limite para o menor ângulo que se pode medir dependendo do instrumento ótico, o chamado critério de Rayleigh: senθ = 1,22 λ/d, onde θ é o ângulo, λ é o comprimento de onda da luz e d é o tamanho da abertura através da qual você está coletando luz. O espelho de um telescópio é maior que a pupila do seu olho, permitindo que você veja detalhes mais finos, e quanto maior o telescópio, menores os detalhes que você pode ver.
Embora as estrelas sejam grandes, elas estão muito, muito longe; portanto, elas têm diâmetros angulares minúsculos. Uma maneira de contornar este problema é observar a estrela de dois locais diferentes e então combinar as informações para criar uma abertura efetiva grande, dada pela distância entre os dois locais de observação, que conta como d no critério de Rayleigh.
Uma maneira de fazer isso é coletar a luz das estrelas em dois locais distintos e combinar os feixes, usando o padrão de interferência resultante para aprender sobre a fonte, como no experimento de dupla-fenda de Young. Esse método é às vezes chamado de interferometria de amplitude, e Albert Michelson e seu aluno Francis Pease usaram-no para medir uma estrela – a gigante Betelgeuse – pela primeira vez em 1919. Eles montaram um interferômetro de 6 metros no Monte Wilson, mas ele só era grande o suficiente para medir sete (super)gigantes vermelhas próximas, que não são chamadas de gigantes à toa. Fazer um interferômetro maior para medir estrelas menores era muito difícil na época: para obter um bom padrão interferométrico, é necessário estabilizar os caminhos ópticos dos dois feixes dentro de um único comprimento de onda – para luz óptica, isso pode ser tão pequeno quanto um milésimo da largura de um fio de cabelo. As diferenças na cintilação atmosférica entre os dois locais de coleta também contam contra seu caminho óptico. Medições de outras estrelas menores por meio de interferometria teriam de esperar, e os tamanhos das estrelas eram estimados a partir da temperatura em vez disso.
O interferômetro de intensidade
No início da década de 1950, o engenheiro de rádio Robert Hanbury Brown teve uma ideia para um novo projeto de interferômetro e recrutou o matemático Richard Twiss para ajudá-lo a elaborar os detalhes. A ideia é mais ou menos assim: à medida que as frentes de onda viajam até você a partir de vários pontos de uma estrela, elas interferem construtiva e destrutivamente umas nas outras, criando manchas brilhantes ou escuras. Quanto menores os ângulos entre os raios, maiores tendem a ser as manchas; quanto maiores os ângulos, menores as manchas (veja a Figura 2).

Se você posicionar dois telescópios mais próximos um do outro do que o tamanho típico de uma mancha de interferência, eles provavelmente estarão dentro da mesma área e ambos verão uma mancha brilhante ou uma mancha escura ao mesmo tempo. À medida que você os afasta gradualmente, será menos provável que estejam dentro da mesma área, e o grau de correlação entre a intensidade nos dois locais diminuirá. A distância necessária para observar a queda na correlação depende do diâmetro angular da fonte e do comprimento de onda.
O primeiro interferômetro de intensidade de Hanbury Brown foi construído para radioastronomia, onde os comprimentos de onda da ordem de metros limitam a resolução angular. Mas por que não experimentá-lo também no ótico? Deve ser muito mais fácil do que a interferometria de amplitude no ótico, porque não é necessário realmente levar a luz de um lado do interferômetro para o outro; é possível converter a intensidade da luz em um sinal elétrico por meio de um fotodetector em cada local e, em seguida, combinar os sinais elétricos, que são muito mais fáceis de manipular do que feixes de luz. Pode-se até mesmo gravá-los e compará-los posteriormente, desde que a informação temporal seja precisa! Além disso, é possível também remover as frequências típicas de cintilação atmosférica do sinal elétrico.
Artigo clássico de hoje: testando o método em Sirius
Após uma demonstração em laboratório com uma lâmpada, Hanbury Brown e Twiss se propuseram a medir o diâmetro angular de Sirius, a estrela mais brilhante no céu noturno. Eles escolheram Sirius porque ela é brilhante e porque os tamanhos de estrelas quentes, branco-azuladas, eram os menos determinados pela teoria na época (mas nenhuma estrela da sequência principal havia tido o diâmetro angular medido diretamente antes!).
Hanbury Brown e Twiss pegaram emprestado um par de holofotes do exército e substituíram a lâmpada no foco do refletor de 1,5 metro de cada holofote por um fotomultiplicador. Assim, em vez de os refletores funcionarem como amplificadores para o feixe da lâmpada, eles serviram para concentrar a luz das estrelas no detector. Hanbury Brown e Twiss variaram as voltagens dos dois detectores e registraram os resultados com os holofotes posicionados a 2,56, 5,35, 6,98 e 8,93 metros de distância. Entre novembro de 1956 e março de 1957, eles coletaram dados “em todas as ocasiões possíveis”, o que resultou em um total de 18 horas ao longo de 5 meses. Não foi um número impressionante de horas porque eles fizeram isso em Jodrell Bank, Inglaterra, durante o inverno – quando chove em aproximadamente metade dos dias e Sirius nunca fica mais de 20 graus acima do horizonte. O artigo também comenta que eles não fizeram correções para efeitos causados pela variação do vapor d’água atmosférico “já que todas as observações foram realizadas com a temperatura do ar próxima ao ponto de congelamento”. Não é à toa que hoje não se construam observatórios de ponta na Inglaterra!
Mesmo assim, foram obtidos dados suficientes para uma medida de sucesso. O nível de correlação seguiu a curva prevista à medida que os detectores foram afastados e, por meio de ajuste dos dados, Hanbury Brown e Twiss encontraram um diâmetro angular para Sirius de 6,8 milissegundos de arco, concordando dentro de 10% com a previsão teórica de 6,3 milissegundos de arco.
Podemos levar essa medida a “Sirius”?
Muitos físicos questionaram o resultado. Não é um problema tratar a emissão em rádio, cujos comprimentos de onda são comparáveis ao tamanho do equipamento, como ondas semiclássicas. Mas a mecânica quântica nos diz que a luz deve agir como onda e partícula ao mesmo tempo, e neste experimento a natureza da partícula deve ser impossível de ignorar. De fato, os detectores usados por Hanbury Brown e Twiss funcionam pelo efeito fotoelétrico, que é frequentemente usado como o exemplo arquetípico de como a luz chega em pacotes discretos chamados fótons, em vez de se comportar puramente como uma onda. Certamente o efeito de correlação não poderia ser real?
Os físicos teóricos puseram mãos à obra. Descobriu-se que a resposta correta, considerando o comportamento de partículas, é que os fótons se aglomeram: quando emitidos por uma fonte caótica, em vez de chegarem em momentos aleatórios, eles formam grupos, como uma frente de onda. Isso era um pouco inesperado, e levou os físicos a pensar em quais outros efeitos estranhos poderiam ser observáveis se tratássemos o fóton como uma partícula verdadeiramente quântica, inaugurando um campo totalmente novo, a óptica quântica.
Esse efeito, chamado Hanbury Brown e Twiss (HBT), não se limita a fótons. Qualquer partícula com spin inteiro forma aglomerados, enquanto qualquer partícula com spin meio-inteiro se espalha. Enquanto as estrelas parecem pequenas por estarem distantes, os processos subatômicos parecem pequenos porque são, na verdade, muito pequenos, e observar o agrupamento ou “antiagrupamento” de partículas virou uma ferramenta importantíssima para a física de partículas e nuclear.
Interferometria hoje
Como continuou esta história na astronomia? Hanbury Brown e Twiss conseguiram financiamento para um instrumento maior, construído especificamente para esse fim, na Austrália. O Interferômetro de Intensidade Estelar Narrabri operou de 1962 a 1974 e, entre outros projetos, mediu os diâmetros de 32 estrelas branco-azuladas brilhantes, o que permitiu aos astrônomos calibrar a teoria e fazer estimativas precisas para estrelas mais fracas.
Com o passar do tempo, a tecnologia óptica evoluiu e tornou maiores interferômetros de amplitude Michelson-Pease viáveis. Como os interferômetros de intensidade apresentam uma perda de brilho em relação aos interferômetros de amplitude (obtém-se menos sinal para uma fonte com o mesmo brilho), a atenção voltou-se para o projeto de amplitude. Hoje, com tecnologias como fibra óptica para transportar feixes de luz e óptica adaptativa para corrigir a cintilação da atmosfera, instrumentos de interferometria de amplitude como o GRAVITY no Monte Paranal e o CHARA no Monte Wilson podem fazer coisas incríveis, como mapear manchas solares em outras estrelas e detectar exoplanetas diretamente.
Mas observatórios modernos de raios gama, chamados de conjuntos de Telescópios de Imagem Atmosférica Cherenkov (IACT, do inglês Imaging Atmospheric Cherenkov Telescope), podem trazer de volta a interferometria de intensidade. Os conjuntos IACT usam telescópios sensíveis e espalhados para observar a radiação Cherenkov de chuvas de partículas criadas por raios gama que atingem a atmosfera. Diferentes telescópios observam a chuva de partículas de ângulos diferentes, e os dados são cuidadosamente cronometrados para que seja possível reconstruir o evento em 3D. Quando a lua está brilhante demais para ver a luz Cherenkov, você pode usar todos esses mesmos ingredientes para realizar medições de interferometria de intensidade! Desde 2019, pelo menos três conjuntos IACT – VERITAS, MAGIC e HESS – realizaram medições do diâmetro de estrelas e têm ambições de realizar mais observações de interferometria de intensidade no futuro.
Adaptado de Astrophysical Classics: Hanbury Brown and Twiss Measure the Size of Sirius, escrito por Sarah Stevenson e editado por Ryan White.
