Betelgeuse (Figura 1) é uma das estrelas mais famosas no céu noturno. Como a supergigante vermelha mais próxima da Terra, ela oferece uma oportunidade única para estudarmos os estágios finais da evolução de estrelas massivas. Em 2020, Betelgeuse mostrou uma diminuição substancial e inesperada de brilho que levou à especulação, inclusive na mídia, de que ela estava perto de explodir como supernova. Embora agora se acredite que esse “Grande Escurecimento” foi causado por uma nuvem de poeira formada a partir de massa ejetada, o evento e sua repercussão destacaram o quanto ainda não entendemos sobre o comportamento dessa estrela enigmática.
Supergigantes vermelhas como Betelgeuse comumente mostram pulsações radiais: expansão e contração periódica das camadas externas da estrela, causando variação periódica de brilho. Como ondas estacionárias em uma corda, essas pulsações incluem modos fundamentais e harmônicos, com o modo fundamental ditando o período de pulsação mais longo possível. Para Betelgeuse, os astrônomos mediram um período fundamental de cerca de 420 dias. No entanto, também foi observado um período secundário longo de cerca de 2100 dias, cuja origem é um mistério — ou talvez não?
O astropontos de hoje fala sobre dois artigos que, independentemente, chegam à mesma conclusão: o período longo observado para Betelgeuse é causado pela presença de uma companheira binária de baixa massa! Uma estrela de baixa massa teria seu brilho completamente abafado pela brilhante Betelgeuse, explicando por que não a detectamos antes. Como os artigos de hoje mostram, uma análise cuidadosa da velocidade radial e de dados astrométricos pode revelar assinaturas da companheira oculta de Betelgeuse.

Artigo 1
Título: A Buddy for Betelgeuse: Binarity as the Origin of the Long Secondary Period in α Orionis
Autores: Jared A. Goldberg, Meridith Joyce, László Molnár
Instituição do primeiro autor: Center for Computational Astrophysics, Flatiron Institute, EUA
Status: publicado no Astrophysical Journal; disponível no arXiv
No artigo 1, os autores usaram curvas de luz obtidas pela American Association of Variable Star Observers (AAVSO, uma associação de astrônomos amadores) e velocidades radiais obtidas com o instrumento STELLA para testar oito possíveis explicações para o período longo de Betelgeuse. Curvas de luz são um registro de como o brilho (ou magnitude) de uma estrela muda ao longo do tempo, e velocidades radiais registram o quão rápido uma estrela está se movendo na nossa direção (ou seja, ao longo da linha de visada). Para Betelgeuse, ambos conjuntos de dados mostram o LSP de ~2100 dias. Os autores mediram uma diferença de fase entre os dois conjuntos de dados de cerca de -2 radianos, indicando que a curva de velocidade radial tem seu máximo cerca de meio período antes da curva de luz. Com esses dados, os autores puderam já descartar todos os mecanismos propostos para o período longo não envolvendo uma companheira binária. Por exemplo:
- Poderia ser que o período longo é na verdade o modo fundamental das pulsações?
Não! Se esse fosse o caso, Betelgeuse precisaria ter um raio muito maior do que o que medimos. O modo fundamental de ~420 dias se alinha muito melhor com as observações. - Poderia ser que o período longo é causado por células convectivas na superfície de Betelgeuse?
Não! A convecção introduziria uma variabilidade aleatória que não observamos. Além disso, convecção deve ocorrer na superfície de todas as estrelas gigantes luminosas, mas sabemos que nem todas essas estrelas mostram períodos longos como Betelgeuse. - Poderia ser que o período longo é causado por manchas estelares, conforme eles entram e saem de vista?
Não! As variações do período longo de Betelgeuse são mais fortes em comprimentos de onda mais azuis do que vermelhos, o que manchas estelares não conseguem replicar. Também seria esperado que o ciclo magnético de Betelgeuse, que regula a ocorrência de manchas, tenha um período mais longo do que o observado.
Os autores concluem que o período longo é então provavelmente causado pela binariedade. No entanto, uma pequena companheira passando na frente de Betelgeuse não causaria um escurecimento perceptível em comparação com a variabilidade das pulsações. Como supergigantes vermelhas como Betelgeuse têm ambientes circumstelares ricos em poeira, trabalhos anteriores sugeriram que uma companheira hipotética poderia arrastar uma nuvem de poeira junto com ela para produzir escurecimento mais significativo. Essa teoria também explicaria por que as variações do período longo são mais fortes em comprimentos de onda mais azuis, onde a poeira espalha mais luz, do que em comprimentos de onda mais vermelhos.
Há apenas um problema: a diferença de fase observada de -2 radianos sugere que a companheira estaria na frente de Betelgeuse quando o sistema atinge o brilho máximo, não atrás dela, como a teoria acima sugere. Para resolver isso, os autores propõem que, em vez de arrastar poeira, a companheira de alguma forma destroi ou modifica a poeira para causar um aumento no brilho de Betelgeuse à medida que passa na sua frente (veja a Figura 2). No entanto, eles dizem que trabalhos futuros são necessários para determinar exatamente como isso pode ocorrer.

A partir dos dados de velocidade radial, os autores estimam um limite inferior de massa de 1,17 ± 0,07 massas solares (um pouco maior que o nosso Sol!) e uma separação orbital de 1850 ± 70 raios solares para a companheira de Betelgeuse. Como esperado, eles descobrem que uma estrela deste tamanho seria quase impossível de detectar tão perto de Betelgeuse, que é muito mais brilhante, maior e mais variável do que sua companheira hipotética.
Artigo 2
Tĩtulo: Radial Velocity and Astrometric Evidence for a Close Companion to Betelgeuse
Autores: Morgan MacLeod, Sarah Blunt, Robert J. De Rosa, Andrea K. Dupree, Thomas Granzer, Graham M. Harper, Caroline D. Huang, Emily M. Leiner, Abraham Loeb, Eric L. Nielsen, Klaus G. Strassmeier, Jason J. Wang, Michael Weber
Instituição do primeiro autor: Center for Astrophysics, Harvard & Smithsonian, EUA e Institute for Theory and Computation
Status: publicado no Astrophysical Journal; disponível no arXiv
No Artigo 2, os autores utilizam mais de 100 anos de dados de velocidade radial – incluindo os dados do Artigo 1 – para procurar uma companheira binária para Betelgeuse. Primeiro, eles construíram um modelo incluindo uma companheira invisível, um kernel de processo gaussianos flexível, para representar a variabilidade de outras fontes, e um termo de ruído. Então, eles ajustam as velocidades radias com este modelo para recuperar o período, fase e amplitude do sinal de longo período (veja a Figura 3).
Os autores descobriram que o conjunto de dados com um século de duração é bem descrito por um único sinal periódico, o que implica que o período longo é estável ao longo do tempo. Isso dá suporte à binariedade como mecanismo por trás desse período, já que outros mecanismos como convecção mostrariam variações aleatórias em uma escala de tempo tão longa. Ao comparar os dados de velocidade radial com a curva de luz do AAVSO (que fornece cobertura desde 1920!), os autores também notaram um deslocamento de fase de cerca de metade de uma órbita, concordando com os resultados do Artigo 1.
Usando os parâmetros ajustados, os autores obtêm uma massa de 0,60 ± 0,17 massas solares e uma separação orbital de 1818 ± 6 raios solares para a companheira oculta de Betelgeuse. Essa massa é significativamente menor do que a estimativa do Artigo 1, o que os autores atribuem à diferença entre as amplitudes ajustadas nos dois artigos. A curva de velocidade radial de Betelgeuse inclui múltiplas fontes de variabilidade, como as pulsações radiais, a assinatura da companheira binária ou até mudanças aleatórias. Como resultado, a verdadeira amplitude das variações causada somente pela companheira binária que é usada na estimativa de massa é incerta, mesmo quando o período é bem determinado.

Além das velocidades radiais, os autores também investigaram o período longo de Betelgeuse com astrometria. Dados astrométricos registram as posição e o movimento relativo das estrelas, que seguem padrões previsíveis. Um companheiro binário invisível introduz uma oscilação extra neste padrão, puxando a estrela visível para frente e para trás conforme ela se move pelo espaço. Essas oscilações podem ser modeladas para determinar os parâmetros orbitais do sistema, que devem em princípio concordar com os parâmetros derivados a partir de velocidades radiais.
Os autores ajustaram um modelo aos dados astrométricos e encontraram dois períodos proeminentes: o período longo em ~2100 dias e uma periodicidade inesperada em ~1650 dias (cerca de quatro vezes o modo fundamental). Eles também encontraram uma amplitude de variabilidade que é maior do que a amplitude obtida por meio de velocidades radiais, implicando uma companheira com massa 2,1 ± 0,5 massas solares. No entanto, os dados se ajustam igualmente bem a um modelo binário ou a um modelo de estrela única que inclui um termo de ruído significativo. Isso provavelmente se deve ao fato de que a extensão radial de Betelgeuse é maior do que sua oscilação astrométrica esperada, dificultando medições astrométricas precisas. Os autores concluem que observações adicionais são necessárias para restringir a binariedade de Betelgeuse com astrometria e notam que seus resultados de velocidade radial são mais confiáveis, dada a cobertura temporal mais longa, maior cadência e maior precisão.
Usando os parâmetros obtidos para Betelgeuse e sua companheira hipotética, os autores calculam como seria a evolução do sistema devido a forças de maré. Assim como a atração gravitacional da Lua cria marés na Terra, as estrelas em um sistema binário também se atraem, e aos poucos dissipam o momento angular do sistema e se aproximam, em um processo chamado “decaimento orbital”. No caso de Betelgeuse, os autores concluem que as marés causarão decaimento orbital descontrolado nos próximos 10.000 anos, e o sistema não será capaz de estabilizar-se à medida que a separação orbital encolhe. Isso significa que Betelgeuse irá interagir e eventualmente engolir sua pequena companheira!
Ficando escondida… por enquanto
Apesar de usarem diferentes conjuntos de dados e diferentes métodos de ajuste, ambos artigos de hoje encontram evidências de que o período de ~2100 dias na curva de luz de Betelgeuse é provavelmente devido à presença de uma companheira binária de baixa massa não detectada anteriormente. A detecção direta de tal companheira é quase impossível com os instrumentos atuais, mas um estudo mais aprofundado da poeira ao redor de Betelgeuse pode ajudar a determinar suas propriedades. Se confirmada, a binariedade de Betelgeuse teria implicações significativas tanto para sua evolução quanto para outras estrelas evoluídas com períodos longos, que também podem hospedar companheiras binárias ocultas!
Adaptado de Hiding in plain sight: Betelgeuse’s binary buddy, escrito por Alexandra Masegian e editado por Lindsey Gordon.
