Um Planeta Fofo com Notas de Nuvens de Areia

Título: SO2, silicate clouds, but no CH4 detected in a warm Neptune

Autores: Achrène Dyrek, Michiel Min, Leen Decin, Jeroen Bouwman, Nicolas Crouzet, Paul Mollière, Pierre-Olivier Lagage, Thomas Konings, Pascal Tremblin, Manuel Güdel, John Pye, Rens Waters, Thomas Henning, Bart Vandenbussche, Francisco Ardevol Martinez, Ioannis Argyriou, Elsa Ducrot, Linus Heinke, Gwenael Van Looveren, Olivier Absil, David Barrado, Pierre Baudoz, Anthony Boccaletti, Christophe Cossou, Alain Coulais, Billy Edwards, René Gastaud, Alistair Glasse, Adrian Glauser, Thomas P. Greene, Sarah Kendrew, Oliver Krause, Fred Lahuis, Michael Mueller, Goran Olofsson, Polychronis Patapis, Daniel Rouan, Pierre Royer, Silvia Scheithauer, Ingo Waldmann, Niall Whiteford, Luis Colina, Ewine F. van Dishoeck, Thomas Greve, Göran Ostlin, Tom P. Ray, Gillian Wright

Instituição do primeiro autor: Université Paris Cité, Universté Paris-Saclay, CEA, CNRS, AIM, F-91191 Gif-sur-Yvette, França

Status: Publicado na Nature

No momento em que escrevo, há 5539 exoplanetas confirmados. Assim, não é nenhuma surpresa que há uma gama de possibilidades: de super-terras a gigantes gasosos que fazem até Júpiter parecer nanico. Há também planetas em que… chove areia? Um resumo bem simples e direto do artigo de hoje é: por meio das lentes do telescópio espacial James Webb (JWST), um exoplaneta inflado, “fofo”, do tipo Netuno quente e com nuvens feitas de areia foi encontrado — como se algodão-doce caísse na areia da praia. Claro que há muito mais além disso, então vamos ver em detalhes como os autores do artigo de hoje chegaram nesses resultados. Primeiramente, não se pode simplesmente tirar uma foto de de um exoplaneta como a gente faz com a Terra e ver algumas nuvens de areia aqui ou acolá. Nem o JWST conseguiria fazer isso. Em vez disso, é usado um método chamado “espectroscopia de trânsito“. Quando um exoplaneta passa entre sua estrela e nós, definindo o que é chamado de trânsito, a luz da estrela perpassa pela atmosfera do planeta. A partir daí, você pode analisar o espectro dessa luz usando uma técnica conhecida como espectroscopia para descobrir do que a atmosfera é feita. A estrela é muito mais brilhante que o planeta, assim, qualquer mudança na luz espectral da estrela é minúscula e bem difícil de ser notada. Porém, astrônomos/as dão um jeito e conseguem realizar essa façanha, nos mostrando nuvens feitas de estrela em um planeta muito longe do nosso Sol.

De que planeta estamos falando?

Figura 1: Impressão artística do WASP-107b, com cara de cometa, passando em frente à sua estrela. Créditos: ESA/Hubble.

Estamos falando de WASP-107b. Não é o nome mais sexy do mundo, mas um bem conveniente se você está lidando com milhares de exoplanetas, descobertos com o instrumento Wide Angle Search of Exoplanets (WASP). Nomear todos com um nome bonitinho iria meio que te custar muito tempo, por mais maneiro que isso possa ser. A atmosfera do WASP-107b tem uma temperatura de 740 K (por volta de 467ºC) devido à proximidade com a estrela. Pesando 30,5 vezes a massa da Terra e quase do tamanho de Júpiter, esse exoplaneta é na verdade bem levinho — seu tamanho e pouca massa faz dele ser “fofinho”, como um algodão doce. Isso sem dúvidas é extremamente fofo, e na verdade é exatamente isso que permite astrônomos olhar para camadas excepcionalmente profundas do planeta e descobrir uma série de fenômenos físicos e químicos estranhos e interessantes. Por ser um planeta bem inflado, a gravidade nas camadas mais externas é bastante baixa. Junto à isso, devido à proximidade do planeta a sua estrela (a 0,057 unidades astronômicas [AU] de distância, uma órbita mais ou menos 8 vezes menor que a de Mercúrio ao redor do Sol), a radiação da estrela está ativa e paulatinamente arrancando as camadas externas, o que daria ao planeta uma aparência semelhante à um cometa (veja a Figura 1).

O que seus olhos de astrônomo veem, Légolas?

Com muita “~elforia” (perdão pelo trocadilho com Senhor dos Anéis… não resisti), usando o Mid Infrared Instrument (MIRI) do JWST, o trânsito planetário for capturado em vários comprimentos de onda por um longo período de tempo, como mostrado na Figura 2. Bem no “fosso” desta curva de luz, conforme o planeta está passando em frente à estrela, você pode obter informações a respeito do próprio planeta. Através de um complexo processo de tratamento e redução de de dados, algoritmos de ajuste à curva, descarte de resultados espúrios, você pode finalmente “separar o joio do trigo” e obter os sinais do exoplaneta escondido na luz da estrela. Os autores usaram três estratégias diferentes e independentes para tratar os dados e chegar aos resultados, ilustrados no painel superior da Figura 3.

Figura 2: O painel superior mostra o fluxo luminoso normalizado da estrela em diferentes comprimentos de onda. O fosso (região azul) é exatamente onde o planeta passou na frente da estrela. O painel inferior também ilustra o trânsito, mas com todos comprimentos de onda combinados. Créditos: Figura 1 da sessão suplementar do artigo.

Após todo esse processo de tratamento dos dados, o que resta é o quanto a luz da estrela é bloqueada pela atmosfera do planeta. Agora é hora de modelar! Por que essas depressões aqui e de onde que vem esses picos? Como a luz estelar será bloqueada pelos átomos e moléculas da atmosfera planetária? É aqui que uma das mais pesadas misturas de Física e Química (fotoquímica) entra em jogo. Simulando o comportamento das moléculas que a gente espera encontrar nesse ambiente os autores são capaz de “imitar” a composição da atmosfera do WASP-107b e simular como a luz muda conforme perpassa por ela. Isso é mostrado na Figura 3 (painel inferior), onde podemos ver assinaturas de nuvens de vapor d’água, SO2 e silicatos (ou seja, areia!). Adicionando a contribuição desses componentes, obtemos um espectro sintético da atmosfera do planeta que é similar ao que foi observado pelo JWST.

Figura 3: O painel superior mostra o espectro de transmissão da atmosfera do exoplaneta, ou seja, como a luz da estrela que está passando por ela é afetada (via processos de emissão e absorção) pelas partículas suspensas no ar de WASP-107b. A linha tracejada é o espectro médio de referência e os pontos de cores diferentes são os resultados das três técnicas independentes de redução de dados, que estão de acordo para a maior parte do espectro. Similarmente, o painel inferior mostra o espectro sintético do modelo de atmosfera (linha laranja grossa) com seus diferentes componentes em destaque. Créditos: Figura 1 do artigo principal (acima), baseado na Figura 2 do artigo (abaixo).

Definitivamente a grande surpresa aqui é a presença de SO2. Espera-se que esse silicato se forme em grandes quantidades apenas em temperaturas maiores que 1000 K. Porém, a temperatura do planeta é “apenas” 740 K. Outro aspecto surpreendente é a presença de silicatos nas nuvens. Ainda que a ocorrência dessa molécula em nuvens já tenha sido prevista por modelos teóricos, é a primeira vez que temos uma evidência robusta de areia nas nuvens! Imagina o banho de chuva que essas nuvens são capazes de proporcionar! Além desses três componentes, outras moléculas como ácido sulfídrico (H2S), amônia (NH3) e monóxido de carbono (CO) foram encontradas. Uma ausência, porém, chamou muito atenção: o gás metano (CH4), que dá os característicos tons azulados de Netuno e Urano.

Essas três descobertas apontam na direção de uma atmosfera bastante dinâmica, em que uma gama de reações químicas não estão acontecendo de forma equilibrada (equilíbrio químico), sugerindo uma atmosfera em transição, que faria com que algumas dessas moléculas inesperadas fossem encontradas no exoplaneta. Isso também significa que agora temos uma visão de como essas atmosferas se formam, e por tabela, como esses exoplanetas se formam.


Adaptado de A Fluffy Planet with a touch of Sandy Clouds, escrito por Roel Lefever.

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