Uma Galáxia Perdida no Molho de Raios Gama

Título: No evidence for gamma-ray emission from the Sagittarius dwarf spheroidal galaxy

Autores: Christopher Eckner, Silvia Manconi, Francesca Calore

Instituição do primeiro autor: University of Nova Gorica, Slovenia and LAPTh/LAPP, CNRS, França

Status: Publicado no Physical Review D, [acesso aberto]

No artigo de hoje, os autores utilizam o extremo final do espectro eletromagnético: raios gama. Estes são os fótons com o menor comprimento de onda e maior energia em existência, o que os torna bem difíceis de estudar. A configuração tradicional dos telescópios (fótons de uma área específica sendo agrupados e focados em um detector por espelhos) não trabalha com raios gama, pois estes passam diretamente pelos espelhos em vez de serem refletidos. Por isso, telescópios de raios gama têm de fazer o uso de técnicas mais inovadoras. Por exemplo, o telescópio usado para análise de hoje (chamado de Fermi) mediu raios gama indiretamente, por meio da medida dos raios gama gerados quando um par elétronpósitron atinge uma folha fina. Ao juntar múltiplas camadas de folhas e medindo onde os pares elétron-pósitron estão em cada camada sucessiva, você consegue ter uma boa ideia de onde os fótons de raios gama vieram. Os fótons então atingem um calorímetro, que mede quanta energia eles têm (isso é análogo ao espectrômetro em um telescópio óptico).

Um Molho Complexo

Infelizmente, os detectores complexos não são os únicos obstáculos que os astrônomos de raios gama têm que superar para conseguirem boas medidas dos raios gama sendo emitidos de uma fonte. Existem muitas fontes grandes e complexas de raios gama no céu, incluindo coisas como a Lua e o Sol, a Via Láctea, e uma grande variedade de fontes brilhantes menores, assim como o fundo difuso. Raios gama emitidos por estas fontes tendem a seguir trajetórias complexas no seu caminho até a Terra, porque podem ser desviados e redirecionados das suas trajetórias originais por raios cósmicos ao longo do caminha. Quando estudam raios gama, astrônomos têm que descobrir se a emissão que estão observando é da fonte que estão tentando observar ou de qualquer uma destas outras fontes potenciais. Bem parecido como separar apenas um ingrediente de uma sopa complicada, é bem difícil! Tipicamente, astrônomos conseguem isso modelando todas as diferentes fontes simultaneamente utilizando complexas análises de software.

Algumas Grandes Bolhas

Apesar das dificuldades da astronomia em raios gama, telescópios de raios gama como o Fermi já nos ensinaram muito sobre o céu. Um dos maiores resultados do Fermi foi a descoberta das Bolhas de Fermi em 2010 — enormes lóbulos de emissão em raios gama se estendendo pela Via Láctea. Estas estruturas abrangem cerca de 50.000 anos-luz, e ainda não temos uma ideia clara do que as causaram. As bolhas de Fermi contêm diversas regiões de emissão intensificada, das quais a origem também é um mistério.

O artigo de hoje explora uma destas regiões em particular, conhecida como a região Cocoon no sul (mostrada juntamente ao resto das Bolhas de Fermi na Figura 1). Um artigo anterior sugeriu que esta região de emissão intensificada provém de uma galáxia anã de fundo. No artigo de hoje, os autores argumentam que este pode não ser o caso.

Figura 1: As Bolhas de Fermi – regiões de emissão intensificada em raios-gama saido da Via Láctea. A área de interesse neste artigo, que pode estar alinhada com a galáxia anã esferoidal de Sagitário, está delimitada por uma caixa branca. [Figura 1 no artigo original.]

Um Ingrediente Galáctico?

A Galáxia Anã Esferoidal de Sagitário, a galáxia que alguns astrônomos acreditam que é responsável por esta região de emissão extra em raios gama, é bem especial — é uma das galáxias satélites da Via Láctea mais próximas e massivas. Nós também definitivamente observamos raios gama vindos de outras galáxias, então não é irrazoável que esta galáxia também emita uma parte. Os autores de hoje não argumentam que é impossível que a galáxia anã de Sagitário emita em raios gama, apenas que os que estamos vendo aqui podem ser melhor explicados por outras fontes. Eles utilizam duas estratégias para fazer isso — um moderno programa que modela diferentes fontes de emissão em raios gama e um truque estatístico que possibilita a diferenciação entre raios gama emitidos de uma fonte pontual e de fontes difusas.

Pegando os skyFACTs

A primeira estratégia baseada em modelagem utiliza skyFACT, um programa desenvolvido para determinar a origem de cada raio gama que compõe o céu. O skyFACT gera um modelo para cada fonte potencial de emissão em raios gama (baseado em outras medições destas fontes, como a de gás na Via Láctea, e as relações físicas conhecidas entre estas coisas e os raios gama), propaga os raios gama modelados emitidos destas fontes através de campos modelados de raios cósmicos, e então leva em conta as incertezas de como os telescópios iriam receber estes raios cósmicos.

Utilizando esta estratégia, os autores determinaram que a emissão extra que é vista coincidindo com a galáxia anã de Sagitário é totalmente explicável por outras fontes de raios gama (como a Via Láctea ou as próprias bolhas de Fermi). Eles argumentam que o principal fator faltando nas análises prévias era a modelagem precisa da Via Láctea e seus raios cósmicos intervenientes — uma vez que estes são adicionados, a emissão intensificada vista sobre as Bolhas de Fermi poderia simplesmente ser uma parte das mesmas. Modelos de todas as fontes de fundo, assim como as potenciais emissões da galáxia anã de Sagitário, estão mostrados na Figura 2. O modelo com melhor ajuste não requer qualquer contribuição da galáxia anã de Sagitário para explicar os dados de raios gama.

Figura 2: O modelo do céu em raios gama antes (superior) e depois (inferior) de propriamente modelar a Via Láctea e levar em conta a difusão por raios cósmicos. O modelo é apresentado na esquerda, e os resíduos (a diferença entre o modelo e os dados reais) estão mostrados na direita. Os resíduos mostram que o caso inferior ajusta muito melhor os dados do que o caso superior. Ambos ajustes permitem a possibilidade de uma emissão da galáxia anã de Sagitário. No caso em cima, o melhor ajuste incluiu muita emissão da galáxia (seria detectado em 14 sig), enquanto no inferior os melhor ajuste não precisou de qualquer emissão da galáxia anã. [Fig 3 no artigo original].

Estado do Molho

Na segunda estratégia, os autores checaram as estatísticas dos raios gama observados na região de emissão intensificada. Porque os raios gama são tão altamente energéticos, eles são muito raros, e os detectores de raios gama os veem como fótons individuais. Isto significa que a distribuição estatística dos fótons individuais pode ser medida. Para fontes de raios gama suaves e difusas, os raios gama deveriam seguir uma distribuição de Poisson. Para fontes pontuais, ou fontes difusas com muita estrutura, no entanto, os raios gama não são Poissonianos. Raios gama de galáxias são em sua maioria de pulsares de milissegundos e estruturas de gás, então eles deveriam se enquadrar neste último caso. Os autores encontraram que não existe evidência de estatística não-Poissoniana nos raios gama desta região, posteriormente gerando dúvidas na sua potencial origem galáctica.

Uma Possível Dica de Sabor

Nenhuma destas estratégias elimina que exista alguma emissão da galáxia anã de Sagitário — eles apenas argumentam que no estado atual de sensibilidade do Fermi (depois de levar em conta todas as outras fontes de emissão em raios gama), a galáxia anã de Sagitário não está sendo definitivamente vista. Com isto em mente, eles abordam o problema do outro extremo: é possível que a galáxia seja brilhante em raios gama, mas eles apenas são muito semelhantes às outras fontes de raios gama escolhidas? Os autores encontraram que a resposta é sim, mas os raios gama deveriam ser menos brilhantes do que aqueles medidos em trabalhos anteriores, e majoritariamente de uma população bem difusa de pulsares de milissegundos. Este cenário não é impossível, mas é uma restrição muito específica.

Em última análise, este artigo mostra que astronomia em raios gama é muito difícil! Não apenas revelou estruturas totalmente novas (como as Bolhas de Fermi) que ainda não entendemos totalmente, nossa modelagem e análise do que observamos primeiramente deve ser realizada extremamente cuidadosamente. Existem todos os tipos de efeitos diferenciados que devem ser levados em conta. Isso torna a astronomia em raios gama assustadora, mas também muito empolgante — existem ainda muitas questões a serem perguntadas e respondidas!


Adaptado de A Galaxy Lost in the Gamma-Ray Sauce, escrito por Delaney Dunne

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