A natureza chocante da remanescente de supernova RCW 86

Título: On the influence of shock-cloud interactions on the nonthermal X-ray emission from the supernova remnant RCW 86

Autores: Aya Bamba, Hidetoshi Sano, Ryo Yamazaki, Jacco Vink

Instituição do primeiro autor: The University of Tokyo, Japan

Status: Aceito para publicação no PASJ [acesso aberto]

O fim da vida das estrelas se dá por explosões ultra-energéticas conhecidas como supernovas. No entanto, suas histórias não acabam aí. Astrônomos são capazes de seguir a evolução pós-morte de estrelas através das remanescentes de supernova, nuvens de gás e poeira radiantemente belas que emitem por todo o espectro eletromagnético, de ondas de rádio a raios X. Tal radiação persiste até em torno de 100.000 anos.

Embora mais de 300 remanescentes de supernova tenham sido identificadas na Via Láctea, alguns aspectos de sua evolução continuam a deixar astrônomos perplexos. Por exemplo, como o ambiente no qual a remanescente se forma afeta a produção de raios X? Com esta pergunta motivacional, os autores do artigo de hoje conduziram um estudo em raios X da remanescente de supernova RCW 86, com o objetivo de entender como a aceleração de partículas por ondas de choque da supernova é afetada pela interação com regiões densas adjacentes, tal qual nuvens moleculares 12CO ou regiões HI.

Uma espiada com o XMM-Newton

Para estudar os efeitos do ambiente na evolução remanescente de supernova, os autores fizeram uso de uma observação de RCW 86 do telescópio de raios X XMM-Newton. A observação foi conduzida em 2014 e coletou fótons através de duas bandas de energia, a vermelha (0,5 – 2,0 keV) e a azul (2,0 – 8,0 keV). O resultado da imagem é mostrado na Figura 1.

Figura 1: Observação de raios X da remanescente de supernova RCW 86, bandas menos energéticas de raios X estão em vermelho e as mais energéticas em azul; Os contornos brancos aparecem em locais de interação de nuvens moleculares 12CO, os gráficos menores mostram filamentos luminosos de RCW 86 em detalhe. Figura 1 do artigo.

Comparando a emissão de RCW 86 e a localização de nuvens moleculares 12CO, é claro que a relação existe entre os dois. Mais especificamente, o brilho dos filamentos de raios X na Figura 1 aparentam envolver as nuvens moleculares. Além disso, os filamentos adjacentes às nuvens moleculares são mais avermelhados que aqueles mais distantes, indicando que a emissão de raios X é menor, ou menos energética, nas regiões que a remanescente de supernova interage com as nuvens moleculares.

Mas e os filamentos vermelhos luminosos no canto inferior direito do RCW 86? Para entender a causa, os autores também compararam a emissão de raios X para outro tipo de região densa chamada de região HI, na Figura 2. O que eles descobriram concordou com a linha de raciocínio até então construída na análise de nuvens 12CO. As regiões densas de HI são envolvidas por filamentos vermelhos brilhantes da RCW 86, com a emissão mais energética azul se originando a partir de regiões HI mais distantes.

Figura 2: A mesma observação, como na Figura 1, mas com contornos mostrando regiões HI no lugar de 12CO. Figura 2 do artigo.

O que o espectro nos diz?

Claramente, as regiões da remanescente que estão interagindo com um ambiente denso como uma nuvem molecular de 12CO ou a região HI são mais vermelhas ou menos energéticas. Para entender melhor os efeitos dessa interação, os autores, então, extraíram os espectros de 13 regiões de RCW 86 e determinaram o melhor ajuste para cada uma.

A partir dos ajustes espectrais, ficou claro que a interação e a não interação das regioẽs está produzindo raios X via mecanismos distintos. Isso pode ser visto na Figura 3, que mostra a razão de emissão térmica a não-térmica de raios X para as 13 regiões que analisaram. O que os autores encontraram foi que as regiões interagindo (filamentos vermelhos nas Figuras 1 e 2) têm muito mais fluxos térmicos do que regiões sem interação.  Isso é mostrado pela cor esbranquiçada das regiões de interação na Figura 3, comparado às mais marrons ou laranja das regiões sem interação. Na verdade, como a barra de cor é logarítmica, algumas das regiões de interação emitem 100 vezes mais emissão térmica que as regiões sem interação!

Figura 3: A razão entre emissão térmica e não térmica de raios X para as 13 regiões de RCW 86. Note que a escala de cores é logarítmica, então regiões mais brancas têm aproximadamente 100 vezes mais emissão térmica que as laranjas. Figura 5(g) do artigo.

Você deve estar se perguntando, qual é a diferença entre os raios X térmicos e não térmicos?  Como o nome sugere, a emissão térmica surge de temperaturas extremas das remanescentes de supernova, que causa mais emissão de raios X. A emissão não térmica resulta da aceleração de partículas. No caso de remanescentes de supernova, isso é tipicamente radiação síncrotron, ou radiação devido ao giro de partículas carregadas nos campos magnéticos nas ondas de choque da supernova.

À medida que as ondas de choque de RCW 86 interagem com regiões densas, elas ficam mais lentas. Isso leva a um aumento de densidade na frente de onda com o início da ejeção de material por conta da desaceleração. Tal aumento de densidade gera mais radiação térmica, enquanto que regiões de interação não térmica são reduzidas, já que a velocidade de choque é menor. Então, a associação entre regiões em interação e proporções mais altas de emissão térmica a não térmica de raios X está de acordo com os mecanismos físicos. Evidentemente, o ambiente em que a remanescente de supernova evolui pode ter efeitos profundos na produção de raios X. Enquanto isso pode ser chocante, é o que temos sobre RCW 86.


Adaptado de Astrobite: The Shocking Nature of Supernova Remnant RCW 86, escrito por Sonja Panjkov.

Imagem de destaque: NASA.

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