Fazendo Astronomia com bolas de discoteca

Título original: Why every observatory needs a disco ball

Autores: Robert J. Cumming, Alexander G.M. Pietrow, Livia Pietrow, Maria Cavallius, Dominique Petit dit de la Roche, Casper Pietrow, Ilane Schroetter, Moa Skan

Instituição do primeiro autor: Onsala Space Observatory, Chalmers University of Technology, Onsala, Suécia

Status: Submetido para a Physics Education / Disponível gratuitamente no arXiv

Amanhã (14/10/23), um eclipse solar anular atravessará regiões da América do Norte, Central e do Sul. Se assegure de tomar precauções antes de acompanhar esse evento!

Está procurando por um método acessível para observar o Sol (talvez enquanto cause intrigas no seu observatório?) Os autores responsáveis pelo artigo de hoje tem uma solução para ambos os casos: bolas de discoteca! [inclusão livre do tradutor] Em todos estes anos nessa indústria vital (quase 13 anos de pós-graduação, mais quase 7 de postdoc), esta é a primeira vez que isso me acontece que eu leio sobre essa ideia. Querem entender por que? Continuem a leitura.

Não olhe diretamente para o Sol!

Cuidados apropriados devem ser tomado sempre ao observar o Sol. A luz solar é tão intensa que pode queimar os seus olhos, causando possíveis danos permanentes à visão, ou mesmo cegueira. Logo, não devemos olhar diretamente para o Sol sem equipamento apropriado, tal como óculos de eclipses e filtros solares acoplados a binóculos ou telescópios — ou mesmo uma lente de soldador número 14 ou superior, munida de uma régua, fita dupla face, tesoura e papelão! Este método é conhecido como câmera pinhole, que pode ser construída ao recortar um buraco em um pedaço de papelão (nota livre do tradutor: pasta arquivo e MDF são alternativas viáveis ao papelão, de acordo com o segundo link acima) a fim de permitir a luz do sol filtrar através de uma tela de proteção (no caso, a lente de soldador). A projeção — ou melhor, a sombra – consiste em uma imagem invertida do Sol.

Figura 1. Configuração básica para observação solar com um projetor pinhole (esquerda) e um espelho “cabeça-de-alfinete” [tradução livre do inglês pinhead] (direita)

O equivalente reflexivo [nota: tradução livre do inglês reflective equivalent] da câmera pinhole é chamado de espelho pinhole. Aqui, a abertura “pinhole” pequena é substituída por um espelho pequeno de “cabeça de alfinete” [nota: tradução livre do inglês pinhead] (Veja figura 1). A luz vinda da fonte é refletida pelo espelho, criando uma projeção menor e menos intensa da imagem, ainda que invertida. Eles estão facilmente encontráveis e são relativamente baratos, variando de brincos e enfeites de Natal até versões mais sofisticadas. Todas elas podem ser potencialmente utilizadas para observações solares. Entretanto, vale notar que os autores do artigo advertem que, caso alguém se aproxime demais desses espelhos — onde o reflexo encontra-se mais concentrado e pode, então, causar perigo aos nossos olhos — o reflexo pode ser bloqueado, assim estragando a experiência.

A praticidade de bolas de discotecas

Figura 2. (Fig. 4 do artigo original) Imagens de projeção do Sol por uma bola de discoteca em um salão.

Primeiramente, os autores testam se os segmentos de espelho das bolas de discotecam fornecem imagens úteis do Sol. Eles encontraram que valores típicos desses segmentos (estimados entre 0.4 e 1cm), a distância focal ideal é da ordem de dezenas de metros. Porém, foco perfeito não é necessário para discernir a forma, ou mesmo alguns detalhes do Sol. Os autores descobriram que discos solares reconhecíveis podem ser produzidos a partir de distâncias focais de 2 metros em diante, enquanto detalhes maiores (tais como manchas solares) podem ser perceptíveis a distâncias menores do que 10 metros. Além disso, eles descobriram que um espelho pinhead típico deve ser capaz de produzir uma imagem reconhecível do Sol contendo, pelo menos, 5cm de diâmetro, na maioria dos ambientes — notando que o contraste de imagem depende da luz ambiente.

Uma bola de discoteca tem vários espelhos pinhead, produzindo várias projeções em um cômodo, pátio, varanda etc (Figura 2). Isso tem muitas vantagens. Uma delas: a bola de discoteca não precisa estar apontada, ou mesmo ser reajustada, uma vez que vários segmentos de espelho serão iluminados enquanto a posição do Sol varia através do céu, com o passar do dia. O espalhamento das imagens também contribui para a acessibilidade para grupos maiores — e distanciados entre si — e pode ainda ser útil para grupos de estudantes, de modo a disponibilizar a cada um seu próprio instrumento de estudo.

O que podemos observar, final?

Figura 3: (Fig. 1 do artigo original) Um projetor de bola de discoteca usado para observar o eclipse solar parcial no dia 25 de Outubro de 2022 em Postdam, Alemanha. Uma examinada mais próxima das projeções individuais são capazes de mostrar um eclipse parcial, como detalhado no canto inferior direito da imagem.

Outras fontes astronômicas, além do Sol, podem também ser projetadas com uma bola de discoteca. Mas vale frisar que estas observações são mais difíceis, afinal, estes objetos são bem menos brilhantes no céu do que o Sol. Por exemplo, os autores conseguiram observar uma lua cheia com sucesso, ao notar que um dos pontos mais importantes neste experimente consiste em maximizar o contraste da projeção da imagem da Lua sobre uma superfície escura.

Figura 4. (Fig 6. do artigo original) Uma observação feito com um projetor de bola de discoteca (esquerda) é capaz de revelar alguns dos maiores grupos de manchas solares observados pelo satélite SDO/HM (direita).

Os autores testaram uma variedade de observações com uma bola de discoteca para examinar a sua utilização como ferramenta educacional. A figura 3
mostra a observação de teste durante um eclipse solar parcial em Postdam, na Alemanha. A imagem em forma de “meia-lua crescente” do Sol aparece parcialmente bloqueada pela Lua, demonstrando assim uma observação bem sucedida do eclipse.

Os autores também tiveram sucesso na observação de manchas solares (Figura 4), embora façam a ressalva que esses testes foram conduzidos durante um período de atividade solar moderada a forte, logo, apenas as maiores dessas manchas foram visíveis. Eles sugerem que manchas grandes (ou seja, com um tamanho de 1-2 minutos de arco) podem ser observadas regularmente com um projetor desse tipo durante metade do período de cada ciclo solar. Além disso, eles também estão confiantes que podemos observar o próximo Trânsito de Vênus (em 2117) utilizando essa mesma técnica. Contudo, Trânsitos de Mercúrio infelizmente não podem ser facilmente observados deste modo, devido ao pequeno tamanho angular do planeta.

Figura 5. (Painel esquerdo da Figura 3 do artigo original) Fotografia das imagens solares produzidas por uma bola de discoteca. Uma delas apresenta um “efeito fantasma” (superior esquerdo), diferentemente da figura no canto superior direito da foto.

Uma bola de discoteca pode também ser usada como uma ferramenta para aulas de óptica. Por exemplo, projeções de imagens em distâncias diferentes permitem estudar a diferença entre a pupila e os planos focais. Além disso, medidas geométricas podem ser empregadas para calcular o diâmetro e brilho dessas imagens projetadas. Imperfeições em espelhos podem produzir também efeitos interessantes — tais como “efeito fantasma” — imagens secundárias que aparecem em ambos os lados da imagem primária (ver figura 5). A comparação do brilho da imagem primária com as duas imagens produzidas via “efeito fantasma” permitem calcular a refletividade de um espelho.

O caso de bolas de discoteca

Os autores também oferecem uma lista de sugestões para outros experimentos que podem ser conduzidos usando as várias imagens produzidas pelos espelhos pinhead da bola de discoteca. Dentre eles, podemos calcular a velocidade com a qual a Terra gira ao redor do seu próprio eixo (ao medir o movimento das imagens produzidas em função do tempo), além de medir a intensidade versus tempo durante um eclipse (ao fotografar as manchas projetadas), determinar a excentricidade da órbita da Terra (ao comparar variações sazonais do tamanho do disco solar) e, por fim, medir o escurecimento de bordo do Sol!

Recapitulando: bolas de discoteca estão prontamente disponíveis, além de serem relativamente acessíveis, exigindo preparações simples para sua utilização como instrumento astronômico para observações de eclipses, além de serem acessíveis para grupos grandes (ou que encontram-se em distanciamento social). Elas oferecem um método seguro e eficiente de observar o Sol, além da realização de vários experimentos solares e ópticos. Como uma bônus track, o fato de não serem objetos comumente vistos como “científicos” tornam eles ferramentas interessantes — além de inesperadas — para demonstrar Física fundamental aos estudantes, bem como o público geral. Se você ainda não tem uma delas, faça questão de comprar um dos seus exemplares para o seu observatório hoje mesmo!

Adaptado do astrobite original Doing Astronomy With Disco Balls, escrito por Emma Clarke e editado by Ivey Davis

Créditos da imagem de apresentação

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