Desvendando os mistérios do nosso universo: compreendendo a estrutura em grande escala

Título: The large scale limit of the observed galaxy power spectrum

Autores: Matteo Foglieni, Mattia Pantiri, Enea Di Dio, Emanuele Castorina

Instituição do primeiro autor: Leibniz Supercomputing Centre, University of Milan

Status: Aceito na Physical Review Letters [acesso restrito]

Caso você tenha prestado atenção no mundo da cosmologia, deve ter ouvido bastante sobre tensões no chamado modelo ΛCDM, que descreve nossas melhores hipóteses sobre a estrutura, o conteúdo e a história do universo. Parte da beleza desse modelo é sua simplicidade — ele cobre o tempo cósmico inteiro com apenas seis parâmetros — mas essa simplicidade pode se revelar como a sua ruína, à medida que os cosmólogos continuam a procurar efeitos que possam complicar o quadro. Os autores de hoje discutem uma dessas complicações e como ela pode afetar as nossas observações de galáxias a bilhões de anos-luz de distância.

O diabo mora nos detalhes

A RCF (do inglês, cosmic microwave background, ou radiação cósmica de fundo) é feita da luz que começou a se propagar 380 000 anos após o Big Bang, com um redshift de cerca de 1100. Ela retrata um universo que é notavelmente homogêneo e isotrópico; em outras palavras, os fótons da RCF estão a uma mesma temperatura, não importa em qual direção você olhe ou em qual parte do espaço-tempo você observe, com uma precisão de uma parte em 100 000. As pequenas variações na temperatura existentes são assumidas no modelo ΛCDM como tendo uma origem completamente randômicas (mais especificamente, para seguir uma distribuição gaussiana), que formam as sementes das galáxias e aglomerados de galáxias nos quais vivemos hoje.

Embora as flutuações da RCF sejam aleatórias numa boa aproximação, muitas teorias preveem que a distribuição subjacente não seja, de fato, completamente gaussiana. Se nós pudermos detectar tais não-gaussianidades primordias (PNG, do inglês, primordial non-Gaussianities) em nossas observações, isso será mais uma fonte de dados sobre as tensões no modelo ΛCDM e nos permitirá distinguir entre nossas muitas ideias diferentes da física do universo extremamente primitivo.

Um problema com a procura por não-gaussianidades primordiais é que alguns efeitos não-primordiais mais recentes podem imitá-los em nossos dados. À medida que a luz se propaga através de um universo, que encontra-se em expansão e em mudança aos nossos telescópios, ela pode encontrar efeitos de projeção relativística que provocam alterações no seu comprimento de onda. Isso poderia distorcer potencialmente nossas observações da distribuição de galáxias em grandes escalas de formas semelhantes às distorções causadas pela PNG, apesar do efeito, na verdade, ter origem muito mais recente. Astrônomos têm debatido calorosamente a extensão da distorção desse potencial por anos; portanto, poderiam efeitos de projeção realmente imitar PNG, e quão bem?

A grande figura

Para alcançar o fundo dessa confusão, os autores consideram o espectro de potência da matéria observado, que descreve a diferença entre a densidade de uma dada região do espaço-tempo e a densidade média do universo em função do volume a ser considerado. A forma da curva, mostrada na Figura 1, é bem conhecida em uma ampla variedade de escalas, mas aqui nós estamos especificamente interessados em flutuações especialmente grandes (ou pequenos números de onda, à esquerda na Figura 1). A distribuição de matéria nessas escalas é sensível às condições iniciais nos primórdios do universo, e é onde precisamos olhar se quisermos encontrar PNG.

Figura 1: O espectro de potência da matéria observado. A linha tracejada preta representa os parâmetros cosmológicos que melhor descrevem as observações da RCF segundo o Planck (2018), além de dados da estrutura em larga escala do SDSS, BOSS e DES. Fonte: ESA e Colaboração Planck, arXiv: 1807.06205.
Figura 2: Comparação entre o espectro de potência da matéria completo (linha sólida azul), as contribuições relativísticas (linha tracejada laranja), os efeitos que poderiam potencialmente ser confundidos com PNG (linha pontilhada verde) e as PNG propriamente (linha ponto-tracejada vermelha), sobre números de onda entre 3 x 10-3 e 10-1. Adaptado da Figura 1 do artigo.

Para verificar se os efeitos de projeção e não-gaussianidades primordiais poderiam contribuir para o espectro de potência da matéria de formas similares, os autores do dia comparam diretamente suas formas e forças previstas. Embora as duas sejam fisicamente distintas e não se comportem exatamente da mesma maneira, os autores encontraram que alguns efeitos relativísticos poderiam de fato imitar uma PNG, com amplitude e proporcionalidade semelhantes à escala k.

Embora nossos dados sobre as maiores escalas cosmológicas possíveis de serem observadas, e seu correspondente espectro de potência da matéria, sejam limitados — de forma que a resolução necessária para observar não-gaussianidades primordiais seja muito maior do que a que está atualmente disponível — missões futuras serão capazes de chegar a esse nível de precisão. Os autores de hoje mostraram a necessidade de incluir tantos fenômenos físicos quanto for possível em nossas análises. Fazendo isso, não apenas entenderíamos melhor os dados, mas também ganharíamos a habilidade para fazer e reportar futuras descobertas inovadoras. Quem sabe o que poderemos encontrar?

Traduzido para o português do astrobite original “Disentangling the mysteries of our Universe: Understanding large-scale structure“, escrito por Katherine Lee e editado por Junellie Gonzalez-Quiles.

Créditos da imagem em destaque: Andrew Pontzen / Fabio Governato

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