Título: Searching for temporary gamma-ray dark blazars associated with IceCube neutrinos
Autores: E. Kun, I. Bartos, J. Becker Tjus, P. L. Biermann, A. Franckowiak, F. Halzen, and Gy. Mezo
Instituição do primeiro autor: Faculty for Physics & Astronomy, Ruhr University Bochum, Alemanha
Status: Aceito para publicação na revista Astronomy & Astrophysics [acesso livre no arXiv]
Procurando pelo fantasma espacial (partícula)
Existem vários sistemas astrofísicos por aí que são lugares extremos, tais como núcleos ativos de galáxias, supernovas, erupções de raios-gama, rajadas rápidas de rádio, dentre outros.
Essas fontes astrofísicas não são apenas legais por si só, mas elas também nos permitem entender melhor sobre a natureza das partículas elementares, bem como as interações que vemos na Terra. Acreditamos que vários desses sistemas são capazes de ejetar partículas a altíssimos níveis de energia, na escala de PeV – Peta eletrovolts, ou seja, 1015 eV. Ou seja, estamos aqui falando de eventos 100x mais energéticos do que aceleradores de partículas contemporâneos, como o LHC, são capazes de fazer hoje em dia! E de fato, nós somos capazes de detectar raios cósmicos (partículas relativísticas, geralmente prótons ou núcleons) até essa escala de energia.
O artigo de hoje tem como foco os neutrinos astrofísicos, que são (astro)partículas (o prefixo “astro” designa justamente partículas vindas do espaço!) de grande interesse por poderem nos ajudar a traçar a origem de outras partículas, tal como os raios cósmicos. Vale notar ainda que neutrinos tem uma detecção evasiva, uma vez que eles só interagem via interação fraca, que é naturalmente fraca (como implica o nome). Portanto, neutrinos são comumente chamados de partícula fantasma, porque eles podem passar diretamente pela maioria dos detectores de matéria sem serem detectados – tal como um “fantasma”!
Um grande cubo de gelo vem a resgate!

O observatório de neutrinos IceCube consiste em um reservatório gigante – da ordem de quilômetros cúbicos de volume – localizado profundamente no gelo do pólo Sul, conforme ilustrado na Figura 1. Eles detectaram o primeiro neutrino de altas energias originário de fora do nosso Sistema Solar em 2013. Este foi o segundo neutrino de origem astrofísica detectado na história (o primeiro deles foi detectado na Supernova 1987A). Desde então, o IceCube detectou eventos de neutrinos por todo o céu (veja Figura 2), mas com apenas um problema – não conseguimos associar esses neutrinos com nenhuma fonte emissora de fótons. Aqui, vamos olhar para fótons de altas energias, chamados raios-gama, para verificar se eles estão consistentes com a energia dos neutrinos observados pelo IceCube.
Um dos modelos mais aceitos hoje para a emissão de neutrinos é o de que eles vem de sistemas altamente energéticos, tais como blazares ou supernovas, sendo produzidos junto com raios gama e raios cósmicos via processos de decaimento de partículas. Como raios cósmicos apresentam carga elétrica, eles são desviados facilmente pelos campos magnéticos galácticos e extragalácticos. Isso significa que precisamos nos voltar para os raios gama e verificar se eles são detectados ao mesmo tempo que o IceCube detecta neutrinos – usualmente, olhamos para qualquer objeto que está emitindo mais raios gama do que o usual, ou seja, em um processo chamado de queima (nota: tradução livre do inglês flaring). Como neutrinos geralmente não interagem com outras partículas ou detectores, também precisamos olhar para algo que esteja emitindo um grande número de partículas – quanto mais partículas produzidas, maior é a probabilidade que uma delas apareça nos detectores do IceCube.

O artigo de hoje olha para a relação entre neutrinos e raio gamas a partir de uma nova perspectiva. Os autores sugerem que deve haver algum motivo pelo qual não vemos “queimas” de raio gama quando uma fonte emite um neutrino. Na verdade, talvez hajam menos raios gama do que o usual. Olhando para blazares, por exemplo, isso vem da ideia de que podem haver mudanças na região próxima aos seus jatos, onde partículas como raios gama e neutrinos estão sendo aceleradas. Se há mais gás e poeira do que o usual, a produção de neutrinos é então favorecida. Mais partículas na região indicam mais colisões, logo, mais neutrinos e fótons podem ser produzidos via espalhamento ou decaimento.
Tendo dito isso, raios gama de comprimento de onda curto são facilmente espalhados por nuvens de gás e poeira, uma vez que seu comprimento de onda é muito próximo ao das partículas que compõem esses meios materiais. Neutrinos, por sua vez, são notoriamente pouco interativos com outras partículas. Então, com isso em mente, quando as coisas ficam nubladas próximas a jatos de blazares, mais raios gama e neutrinos são produzidos, contudo apenas neutrinos conseguem escapar desse meio, iniciando então sua trajetória até os nossos detectores aqui na Terra.
Será que veremos um raio gama hoje à noite?
Os autores usam dados do telescópio de raio gama Fermi-LAT, a fim de examinar oito blazares brilhantes que estão na mesma região onde o IceCube detectou um neutrino astrofísico. A ideia é observá-los por um período de seis meses antes e após a detecção do neutrino, para verificar se a fonte parece mais ou menos brilhante do que o usual. Idealmente, as fontes estariam “totalmente apagadas” ou “totalmente acesas”, o que pode ajudar a reduzir as condições que um blazar precisa satisfazer para produzir um neutrino.
Infelizmente, esta busca foi inconclusiva, pois parece que cada blazar mostra um comportamento diferente ao redor do momento de chegada do neutrino. Alguns estão se apagando (Figura 3), outros acendendo (Figura 4), fora aqueles que não apresentam variabilidade. Isto significa que cada fonte pode apresentar um comportamento diferente quando produz mais neutrinos do que o usual, ou então que ainda não temos uma compreensão total do ambiente onde essas partículas estão sendo produzidas – logo, não estamos procurando no lugar correto.

Figura B.8.do artigo original.

Muito mais a vir!
Contudo, devemos notar que a era dourada da astrofísica de neutrinos está apenas em seu começo! O instrumento IceCube vai receber um grande (literalmente) upgrade (chamado Gen2, inspirado no pinguim-gentoo), alcançando assim 8 kms cúbicos de volume. Assim, espera-se que o número de detecções de neutrinos aumente por um fator de 10, além de obter uma localização muito mais acurada de suas fontes.
Isso é esperado para 2032, logo após o lançamento do Cherenkov Telescope Array (CTA), que representa a próxima geração de telescópios de raios gama – e que será 5-10x mais sensível do que telescópios atuais. Esta combinação vai abrir o céu para muito mais fontes de altas energias, que nunca foram vistas antes. Assim, esperamos resolver alguns dos mistérios de astropartículas que hoje nos faz coçar a cabeça!
Traduzido para o português do astrobite original “Hello neutrinos, goodbye gamma-rays?“, escrito por Samantha Wong e editado por Evan Lewis.
